Desde pequena, Elara sentia uma conexão inexplicável com a natureza. Enquanto outras crianças brincavam nos campos ou ajudavam nas tarefas do vilarejo, ela preferia explorar as florestas densas e misteriosas ao redor de sua casa. Havia algo na maneira como o vento sussurrava através das árvores e como as folhas dançavam ao sol que a fazia sentir-se parte de algo maior, algo vivo.
Sua descoberta começou de forma sutil. Ela tinha apenas oito anos quando encontrou, sob um arbusto, um pardal com uma asa quebrada. O pequeno pássaro tremia, seus olhos escuros refletindo medo e dor. Elara ajoelhou-se ao lado dele, sentindo uma onda de compaixão tão intensa que fez seus olhos se encherem de lágrimas. Sem saber exatamente o que fazer, ela recolheu o pardal com cuidado e o levou para casa.
Lá, com mãos trêmulas e um coração cheio de determinação, começou a misturar folhas e raízes que acreditava serem úteis. Ela lembrava de ter visto sua mãe preparar chás para resfriados e decidiu que faria o mesmo pelo pequeno pássaro. Ao aplicar a pasta improvisada sobre a asa machucada, começou a murmurar palavras que lhe vinham naturalmente, como se fossem sussurros vindos da própria floresta.
No dia seguinte, para sua surpresa, a asa do pardal estava visivelmente melhor. Em poucos dias, ele voou novamente, deixando-a com uma sensação de realização que ela nunca havia experimentado antes.
A partir de então, Elara começou a encontrar outros animais feridos: coelhos com patas machucadas, cervos jovens que haviam se perdido ou mesmo um filhote de raposa com uma ferida profunda na lateral. Cada um deles recebia seus cuidados, e com cada vida salva, Elara sentia sua ligação com a natureza se aprofundar. Era como se as plantas a orientassem, sussurrando quais raízes e folhas usar, e os próprios animais a agradecessem com olhares profundos que pareciam compreender sua bondade.
Elara não via sua habilidade apenas como um dom, mas como uma missão. Ela começou a sonhar com um futuro onde pudesse ajudar não só os animais, mas também as pessoas. Desejava criar um local seguro, um refúgio onde doentes e feridos pudessem encontrar abrigo e cura. Imaginava uma casa grande, cercada de jardins cheios de ervas e flores medicinais, onde pudesse ensinar outros a ouvir a natureza e a trabalhar em harmonia com ela.
Seus sonhos iam além. Em seu coração, acreditava em um mundo onde dor, doenças e enfermidades não existiam. Um mundo onde ninguém precisasse sofrer ou temer a morte precoce. Essa visão a guiava em cada pequeno ato, em cada cântico entoado e em cada planta que colhia.
Mas, à medida que crescia, também percebeu que nem todos compartilhavam de sua conexão ou entendimento com o meio natural. Os olhares estranhos dos aldeões, as sussurradas sobre sua “estranheza” e os rumores que começaram a surgir a deixaram inquieta. Apesar disso, sua paixão e desejo de ajudar nunca diminuíram. A natureza era sua aliada, e Elara sabia que, enquanto confiasse nesse vínculo, poderia transformar dor em esperança e sofrimento em cura.
O Momento Final
A corda rangia apertando-se brutalmente contra o pescoço de Elara, enquanto o som da multidão gritava em uníssono: “Enforquem a bruxa!”. O ar escapava de seus pulmões, a dor latejava em cada ínfimo pedaço de seu corpo, e o mundo ao seu redor dissolvia-se em manchas de luz e escuridão. Mas então, no abismo de sua agonia, algo mudou.
Uma luz brilhou diante de seus olhos, um farol tênue na imensidão de sombras. Movida por uma força que não compreendia, Elara se arrastou em direção àquela luz. Cada passo era uma agonia, mas também um alívio, como se algo maior a estivesse chamando. Quando finalmente atravessou o umbral, encontrou-se em um jardim de beleza inimaginável.
Flores desabrochavam em cores vibrantes, e o ar era doce como o mel. O céu brilhava em um azul imaculado, e sob a sombra de uma árvore imponente, ela viu figuras familiares: sua mãe e irmãs. Elas a esperavam com sorrisos radiantes, seus rostos refletindo alegria e paz. Um soluço escapou dos lábios de Elara enquanto corria para os braços de sua família. O calor do abraço era tão real que, por um momento, toda a dor parecia ter desaparecido.
Mas o momento de alívio foi interrompido pela voz grave de sua mãe:
“Elara, minha filha, eles te mataram também.”
Elara olhou para sua mãe, o coração apertado pela tristeza. “Sim, mãe,” ela sussurrou. “Eu os amei, os curei, os protegi… e eles me pagaram com a morte.”
“Os humanos são criaturas cruéis, Elara,” sua mãe disse, sua voz carregada de uma tristeza antiga. “Eles temem o que não entendem e destroem o que temem. Mas agora, você tem uma escolha. Uma chance de vingança, de fazer justiça a todas as nossas irmãs que sofreram nas mãos deles. Você aceita?”
Os olhos de Elara se encontraram com os da mãe. Em seu peito, uma chama de fúria começou a arder, mais quente que qualquer fogueira. Ela pensou em cada ato de bondade que fora recompensado com traição e dor. Pensou na mãe, nas irmãs, em todas as mulheres que vieram antes dela e foram injustiçadas.
“Sim,” ela sussurrou, sua voz agora um aço frio. “Eu aceito.”
O jardim se dissolveu em um redemoinho de luz e sombras. As vozes de sua mãe e irmãs ecoaram ao seu redor, entoando um cântico ancestral. Quando a luz finalmente desapareceu, Elara abriu os olhos. Estava de volta à terra, mas algo havia mudado. As correntes que antes a prendiam agora não passavam de cinzas ao seu redor.
A multidão, que momentos antes gritava em ódio, agora silenciava em horror. Seus olhos arregalados refletiam o terror de verem Elara não como a mulher que condenaram, mas como uma entidade renascida, envolta por uma energia sombria e imponente.
Elara ergueu-se lentamente, seus cabelos negros flutuando como se movidos por um vento invisível. Seus olhos, antes de um azul sereno, agora brilhavam com uma luz feroz. O medo que ela sentira deu lugar a uma força que nunca imaginara possuir.
“Vocês me mataram,” ela declarou, sua voz ecoando pela praça como um trovão. “E agora enfrentarão as consequências de sua crueldade.”
E com essas palavras, o destino de Plockton mudou para sempre.