O vento naquela noite parecia mais frio que o normal, carregado com o cheiro metálico de ferrugem e algo doce demais para ser natural — como flores murchas. Ele estremeceu, embora jamais admitisse que sentia frio.
A praça, outrora viva, estava deserta. Não havia mais os sons do parque: o riso das crianças, as rodas das bicicletas sobre o chão de cimento, o murmúrio dos casais que caminhavam de mãos dadas. Agora tudo parecia mortificado, como um cenário que alguém esquecera de desmontar.
E então, ele viu.
A tenda negra surgia no centro, imensa e errada, como se tivesse brotado do solo. As costuras pareciam vivas, pulsando suavemente, e um som baixo ecoava de dentro, como um coração batendo fora de ritmo. Uma faixa amarelada pendia sobre a entrada, balançando ao vento:
“Venha. O Último Ato espera por você.”
Ele franziu o cenho. Aquilo não fazia sentido. Um circo? Ali? Onde antes havia um parquinho, onde costumavam vir para ela escrever e ele reclamar das folhas secas grudadas no sapato. Sua mente o puxou de volta, por um segundo, para aquela imagem dela sentada no banco sob a árvore, o diário aberto no colo. Ela parecia tão feliz naquele lugar.
Uma raiva antiga subiu pelo peito.
— Isso é bobagem — murmurou para si mesmo.
Seus passos ecoaram pelo cimento quando ele se aproximou. Havia algo naquilo tudo que não parecia real. Como se o mundo tivesse escurecido apenas ali. Quando olhou para trás, percebeu que as ruas desapareciam sob o breu da noite. A tenda era a única coisa existente naquele vazio.
Seu coração bateu mais rápido. Medo? Não. Ele não tinha medo. Não podia ter.
Foi quando ouviu. Uma voz tão baixa que ele pensou que fosse o vento:
— “As histórias sempre têm um final. Mesmo as nossas.”
Ele girou bruscamente, procurando quem falava, mas a praça continuava deserta. O vento soprava através dos galhos secos das árvores, arrancando sussurros que se espalhavam como um coro de risadas abafadas.
Era a voz dela.
Ele cerrou os punhos.
— Isso é coisa da minha cabeça.
Mas, no fundo, ele sabia que não era. As memórias voltaram com força, escuras e distorcidas, como sombras tremeluzindo sob a luz de uma vela. A imagem do diário queimando; os olhos dela cheios de algo que ele nunca havia visto antes. Não lágrimas. Ódio.
Ele afastou os pensamentos e encarou a entrada da tenda. As cortinas negras estavam entreabertas, como se esperassem por ele.
— Nada disso é real. — Sua voz soou baixa demais, até para si mesmo. — Nada vai acontecer.
E então ele entrou.
A escuridão o engoliu como um rio profundo, e atrás dele, as cortinas se fecharam com um som seco, como um caixão sendo lacrado.