O Último Ato, capítulo 2: Flashback 1 – O Amor e o Diário (Passado)

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No quarto iluminado pelo fogo de uma lareira, ele rasga as páginas do diário dela e as lança às chamas. Para ele, eram apenas palavras; para ela, era tudo. O silêncio dela, mais pesado que qualquer grito, marca o momento em que algo dentro dela se parte para sempre.

A luz do final da tarde entrava pela janela da sala, tingindo o ambiente em tons alaranjados. Ela estava sentada no chão, encostada no sofá, com o diário aberto sobre os joelhos. Seus dedos seguravam a caneta com leveza, como se estivesse desenhando no ar. Ela escrevia com um sorriso pequeno e distraído, perdida no mundo das palavras.

Ele observava do outro lado da sala, sentado na poltrona, o olhar fixo nela. Por um momento, uma pontada de ternura atravessou o desconforto que ele sentia. Ela parecia tão em paz.

O que você tanto escreve aí? — Ele perguntou, quebrando o silêncio. Sua voz tinha um tom casual, mas por dentro, ele já sabia que a resposta o incomodaria.

Ela levantou os olhos, e ele viu o brilho de sempre neles — aquele brilho que ela só tinha quando estava escrevendo.

Histórias.

Ele arqueou uma sobrancelha.

Mais uma?

Ela riu suavemente e voltou a olhar o diário, passando os dedos por uma das páginas como se acariciasse algo precioso.

Sempre há mais uma. — Sua voz era baixa, quase um sussurro. — Aqui, as histórias nunca morrem.

Ele franziu o cenho. A frase o incomodou mais do que deveria. Ela parecia falar do diário como se ele fosse um lugar.

Por que você sempre diz isso? — Sua voz soou mais dura do que ele pretendia. — São só páginas. Papel. Não é real.

Ela o encarou, surpresa pela resposta. Por um segundo, ele viu algo em seus olhos — não mágoa, mas uma distância.

Você realmente acha isso?

Claro. Você passa mais tempo escrevendo essas histórias do que vivendo aqui comigo.

Ela fechou o diário com delicadeza, mas o som ecoou como um tiro na sala silenciosa.

Porque aqui eu sou livre.

E aqui fora não?

Ela não respondeu. Seu olhar se perdeu pela janela, onde o céu começava a se tingir de roxo. Ela voltou a sorrir, mas era um sorriso triste, como se já soubesse o final daquela conversa.

Nem sempre, — murmurou por fim.

Ele desviou o olhar, sentindo o desconforto crescer dentro dele como uma raiz venenosa. Por que ele não podia entender aquilo? Por que ela precisava tanto daquele caderno, como se fosse mais importante do que ele?

Deixa eu ler uma história, então. — Ele pediu, forçando um tom leve.

Ela hesitou. Era a primeira vez que ele demonstrava interesse. Por um segundo, ele quase pôde ver a felicidade surgir nos olhos dela.

Está bem. Só um trecho.

Ela abriu o diário novamente, folheando até encontrar a página certa. Sua voz era delicada enquanto lia:

“Havia uma vez uma mulher que guardava pedaços do coração em lugares onde ninguém podia tocar. Ela os costurava em palavras, nas folhas de um diário que ninguém entendia. E talvez, por isso, ela nunca seria verdadeiramente sozinha — porque as histórias nunca morrem. Mesmo quando ela desaparecesse, elas ainda viveriam…”

Ele não esperou que ela terminasse.

Isso é sobre você? — A pergunta veio como um soco, mais brusca do que ele pretendia.

Ela olhou para ele, e o brilho nos olhos dela se apagou.

Talvez.

Você vive demais nesse caderno.

Ela fechou o diário devagar, sem tirar os olhos dele. O silêncio que se seguiu foi pesado. Por um momento, ele pensou em pedir desculpas, mas a irritação venceu.

Às vezes, parece que você prefere ele a mim.

Às vezes, prefiro mesmo.

O ar ficou gelado. Ela se levantou sem dizer mais nada, o diário apertado contra o peito, como se fosse uma armadura. Ele ficou sozinho na sala, encarando o espaço onde ela estivera momentos antes.

Por que aquilo o incomodava tanto? Por que ele queria destruir aquele diário, como se, ao destruí-lo, pudesse finalmente tocá-la?

Ele não sabia, mas naquele instante, uma rachadura invisível abriu-se entre os dois — uma rachadura que, em breve, se tornaria um abismo.