A Fúria da Bruxa, capítulo 6: Dimitri e a Maldição de Plockton

Dimitri, o padre de Plockton, enfrenta a culpa por sua omissão enquanto testemunha o caos causado pela maldição de Elara. Ratos infectados espalham destruição, e a praga devasta o vilarejo. Dividido entre sua fé e arrependimento, ele luta para compreender seu papel na redenção de Plockton.

Dimitri, o padre de Plockton, estava ajoelhado diante do patíbulo. As madeiras encharcadas de sangue exalavam um odor fétido que misturava ferro e putrefação. Em suas mãos, a Bíblia tremia levemente, mas suas preces eram firmes.

“Senhor, tende piedade de nós,” ele murmurava. Seu rosto pálido refletia a agonia de quem testemunhara horrores demais. A execução de Elara havia sido um ponto sem retorno para o vilarejo, e Dimitri sabia disso. Seu coração estava pesado com a culpa por não ter feito nada para impedir aquele ato monstruoso.

Ele sempre admirara Elara. Para ele, ela era uma santa, uma enviada divina. Anos de confissões em seu pequeno confessionário haviam revelado o verdadeiro caráter dos aldeões de Plockton: ganância, inveja, luxúria e, acima de tudo, medo. Mas Elara era diferente. Sua presença era uma luz em meio à escuridão do vilarejo. Ela curava, protegia e fazia o que ele, com toda sua fé, nunca tivera coragem de fazer: agir.

Certa vez, em uma tarde de outono, Dimitri encontrara Elara ao lado de um riacho nos arredores de Plockton. Ele fora até lá para refletir, em busca de silêncio e clareza, mas a visão de Elara, ajoelhada às margens do rio, interrompeu seus pensamentos. Ela estava cuidando de um cervo ferido, suas mãos habilidosas aplicando uma pasta de ervas na ferida aberta. Seus olhos brilhavam com concentração, e suas palavras eram murmúrios suaves, quase como uma oração.

“Padre Dimitri,” ela disse, sem levantar os olhos, “o senhor acredita que podemos salvar não apenas os corpos, mas também as almas?”

Ele hesitou, surpreso com a pergunta. “Minha fé me diz que sim. Mas vejo o sofrimento de Plockton e me pergunto se nós somos dignos da redenção.”

Elara ergueu o olhar, fixando-o com a intensidade de quem carregava uma sabedoria maior do que sua idade. “Todos são dignos de redenção, padre. Mas poucos têm coragem para buscá-la.” Ela fez uma pausa, acariciando a cabeça do cervo. “Eu acredito que o senhor tenha essa coragem. Apenas precisa usá-la.”

Aquela conversa o marcara profundamente. Dimitri sabia que Elara não falava apenas do vilarejo, mas também dele. Era como se ela enxergasse suas dúvidas e medos, mas também acreditasse que ele podia ser mais do que apenas um espectador. E, ainda assim, ele falhara. No momento em que mais importava, ele se refugiara no silêncio, permitindo que a injustiça seguisse seu curso.

Dimitri sabia dos planos de Eloys. Ele ouvira as murmurações conspiratórias do prefeito em confissão e vira os olhos frios do homem enquanto tramava contra Elara. Ao lembrar da conversa no riacho, uma pontada de culpa o atravessou. Elara acreditava que ele tinha coragem, que poderia usar sua fé para proteger aqueles que precisavam. Mas ele não fizera nada. Suas palavras ficaram presas, sufocadas pelo medo do que poderiam lhe fazer se defendesse abertamente a mulher que considerava uma santa.

Ele deixou passar a oportunidade de agir, de ser o que Elara enxergava nele, e agora, seu silêncio custava mais caro do que ele poderia imaginar. Naquele momento, Dimitri acreditara que nada aconteceria. Quem poderia acreditar em acusações tão absurdas contra uma mulher que havia salvado tantas vidas? Mas o povo de Plockton era covarde e facilmente manipulado. Dimitri, mesmo cheio de dúvidas e receios, não agiu. Agora, a figura ensanguentada de Elara no patíbulo era uma lembrança cruel de sua própria fraqueza.

Com uma prece ainda nos lábios e os olhos fechados, Dimitri sentiu um calafrio que percorreu sua espinha, como se o próprio ar ao seu redor tivesse se tornado denso e hostil. Relutante, ele abriu os olhos e encontrou os de Elara, que agora brilhavam em um escarlate sobrenatural. O choque o fez recuar ligeiramente, suas mãos tremendo ao segurar a Bíblia. Ele esfregou os olhos, acreditando ser uma ilusão, mas a realidade se tornou ainda mais sombria. Os membros decepados de Elara se ergueram no ar, conectados por fios invisíveis, enquanto sua voz ecoava pela noite como um trovão:

“Vocês me chamaram de bruxa, e agora conhecerão o verdadeiro significado disso!”

Dimitri viu, horrorizado, enquanto cabeças decepadas de antigas vítimas da Inquisição flutuavam até Elara, como um cortejo macabro. Mas não eram apenas enfeites grotescos. Cada cabeça emitia uma fumaça negra que se espalhava pela praça. Onde essa fumaça tocava, ratos emergiam das sombras, criaturas doentias com olhos injetados de sangue e movimentos violentos.

Dimitri tentou levantar-se, mas seu corpo tremia como nunca antes. Ele viu os aldeões gritarem e correrem, mas não havia para onde fugir. Os ratos atacavam implacavelmente, mordendo carne e espalhando a praga. As pessoas, ao serem tocadas pela peste, caiam em agonia. Seus corpos apodreciam instantaneamente, como se tivessem morrido há anos. A pele escurecia, os olhos afundavam, e o cheiro de morte preenchia o ar.

“Povo de Plockton,” Elara bradou, sua voz ressoando como uma sinfonia de lástima e fúria, “vocês colherão o que plantaram. Seus campos apodrecerão, seus rios secarão, e este vilarejo será uma ruína para sempre. Somente uma alma pura, livre do ódio e da violência, poderá quebrar esta maldição.”

Dimitri sentiu um aperto no peito. Ele sabia que Elara não estava mentindo. A maldição era real e mortal. Sua fé o levou a erguer a voz:

“Elara! Por favor, misericórdia! Eles são ignorantes, são cegos pelo medo!” Mas Elara não respondeu. Seus olhos escarlates o encararam por um momento, e então ela desapareceu, levando consigo as cabeças flutuantes.

Quando o vento cessou, o silêncio tomou conta da praça. Dimitri caiu de joelhos, suas mãos sujas de lama e sangue. Ele rezava, mas agora suas preces eram para si mesmo. Ele havia falhado, não apenas com Elara, mas com todo o vilarejo. A maldição não era apenas o fim de Plockton; era o peso de sua própria omissão e covardia.