A clareira onde Cateline permanecera parecia mais sombria do que antes. O aroma acolhedor da casa de Elara agora tinha um toque quase imperceptível de tensão, como se o ar carregasse uma expectativa não dita. Cateline estava sentada à mesa, encarando o vazio da cozinha. As palavras de Elara ecoavam em sua mente, misturando-se com os fantasmas de suas próprias memórias. Por mais que tentasse, não conseguia encontrar paz.
Do lado de fora, os passos apressados de Dimitri romperam o silêncio. Ele havia seguido os rastros dos ratos que pareciam guiá-lo até ali, como se a própria maldição estivesse conspirando para levá-lo a algo que ele não sabia se queria enfrentar. Quando avistou a casa, sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Uma parte dele queria recuar, mas outra, mais forte, o empurrava para a porta.
Ao bater, a porta se abriu sozinha, como se o esperasse. Cateline levantou os olhos, a expressão surpresa dando lugar a algo mais duro e frio quando reconheceu o padre. Dimitri entrou hesitante, tirando o chapéu e segurando-o contra o peito.
“Cateline,” ele disse com a voz baixa. “Eu… não sabia que estava aqui.”
Ela não respondeu imediatamente. Seus olhos o avaliaram, como se pesassem cada palavra que ele não dissera antes. “Por que está aqui, padre? Veio rezar por Plockton? Veio rezar por ela?”
O tom ácido de Cateline o fez vacilar. Ele deu um passo à frente, mas parou ao perceber que a mesa entre eles parecia mais uma barreira do que um móvel.
“Eu vim porque… não sei para onde mais ir,” confessou ele. “A vila está se desfazendo diante dos meus olhos, e eu…” Ele hesitou. “Eu falhei. Com todos. Com ela. Com você.”
As palavras pairaram no ar, mas Cateline não cedeu. “Falhou mesmo. Você falhou comigo todas as vezes que eu implorei por ajuda e você fingiu não ver. Você falhou com Elara quando assistiu àquela execução como se fosse mais um sermão.” Ela se inclinou para frente, sua voz um sussurro cortante. “E agora quer o quê? Redenção?”
Dimitri engoliu em seco. “Eu não sei se mereço redenção. Mas não é isso que estou buscando.” Ele respirou fundo. “Quero entender por que ainda estou aqui, enquanto tantos se foram. Quero fazer algo… qualquer coisa.”
Antes que Cateline pudesse responder, a porta da cozinha se fechou com um estrondo. Ambos se viraram e viram Elara parada na entrada, ou o que parecia ser uma sombra dela. Seus olhos brilhavam com um misto de diversão e severidade.
“Curioso,” disse Elara, sua voz carregada de sarcasmo. “Os dois sobreviventes que mais têm motivos para odiar Plockton estão agora sentados juntos, como peças de um jogo que nem entendem. É fascinante, realmente.”
Cateline se levantou, o rosto vermelho de raiva. “Você planejou isso, não é? Você nos trouxe aqui para quê? Para rir da nossa miséria?”
Elara gargalhou, um som seco e provocador. “Rir? Ah, Cateline, subestimar minha diversão me ofende. Não se trata apenas de rir, mas de ver até onde vocês dois conseguem ir. Vocês são tão previsíveis, mas ainda assim… intrigantes.”
Dimitri, tentando reunir coragem, deu um passo à frente. “Elara, se quer brincar conosco, pelo menos diga o que quer de verdade. Por que nos juntar aqui?”
Ela deu um giro lento pela sala, como se apreciasse cada canto do espaço, antes de responder. “Eu? Não quero nada. Quem quer algo aqui são vocês. Eu só coloco o tabuleiro e deixo vocês jogarem. Afinal, vocês dois têm o que Plockton nunca teve: escolhas. O que farão com elas? Isso… é o que me interessa.”
Ela então se inclinou sobre a mesa, olhando fixamente para Cateline. “Você, tão consumida pelo ódio que poderia incendiar este lugar com um pensamento. E você, padre,” virou-se para Dimitri, “tão afogado em medo e arrependimento que até respirar parece um ato de coragem. É isso que Plockton depende? Vocês dois? Que espetáculo!”
Cateline bateu a mão na mesa, a voz trêmula de raiva. “Você se acha tão acima de nós, Elara, mas foi este vilarejo que te criou. Tudo o que você é veio da mesma podridão que nos destruiu. Então, por que não acabar logo com isso? Por que o jogo?”
Elara sorriu, o brilho enigmático em seus olhos ficando mais intenso. “Porque jogos são mais divertidos do que finais rápidos, minha cara. E porque o destino do vilarejo está em suas mãos, não nas minhas. Eu já fiz minha parte.” Com um movimento teatral, ela estendeu uma carta sobre a mesa. “Leiam isso quando acharem que estão prontos. Mas aviso: as respostas que procuram podem não ser as que querem. Ou, quem sabe, sejam exatamente o que vocês merecem.”
Dimitri tentou falar algo, mas quando abriu a boca, Elara desapareceu, como uma chama extinta. Ele e Cateline ficaram sozinhos, o silêncio entre eles agora mais denso, carregado de tensão e dúvida.
Cateline pegou a carta com dedos trêmulos. “Eu não confio nela,” disse, olhando para Dimitri. “E não confio em você também.”
Ele assentiu lentamente. “Talvez não devesse. Mas confie que precisamos de algo… qualquer coisa.”
Ela abriu a carta, e juntos, começaram a ler as palavras que poderiam decidir o destino de Plockton.