Vanessa entrou no laboratório com passos hesitantes, o crachá falso balançando em suas mãos trêmulas. Clara, perdida na urgência do momento, não percebeu o nervosismo como o sinal de algo mais sombrio. Enquanto trabalhava freneticamente para esconder os últimos resquícios de seu plano, Vanessa hesitou, os passos vacilando como se lutasse contra si mesma. Foi então que, com um suspiro trêmulo, ela tirou algo do bolso — um comunicador ativado diretamente com Victor.
Trecho do diário de Clara Cardoso:
“Tudo em mim dizia para não confiar nela. O abandono do plano, o retorno repentino, o olhar nervoso… mas a urgência falou mais alto. Agora, eu pagava o preço por ignorar meus instintos.”
Ah, Clara… Ainda não aprendeu que confiança, para alguns, é apenas uma moeda de troca? E Vanessa? Bem, humanos têm uma tendência fascinante a se curvar ao medo.
Vanessa: “Eu os peguei aqui, doutor Lancellotti. Clara está no laboratório.”
E assim, a traição se revelou. O sangue de Clara gelou, mas não foi apenas a surpresa que a paralisou; foi a compreensão de que Vanessa, alguém em quem ela havia confiado, escolheu o medo ao invés da coragem. Antes que Clara pudesse reagir, portas automáticas se fecharam ao redor do laboratório. A voz de Victor ecoou pelos alto-falantes, fria e calculada, mas com um tom de satisfação inegável.
Victor: “Ah, Clara. Sempre tão diligente, tão idealista. Você realmente achou que poderia me enganar?”
Cada palavra de Victor soava como um golpe, destruindo lentamente qualquer esperança que ela pudesse ter tido.
Victor: “Clara,” ele começou, sua voz gélida cortando o ar, “você sempre foi brilhante. Mas a traição é uma falha imperdoável. Você será mais útil de outra forma.” Ele fez uma pausa, observando-a com um olhar que parecia atravessar sua alma. “A partir de hoje, você será minha próxima cobaia. Não por vingança, mas por progresso. Considere isso uma lição que jamais esquecerá.”
Trecho do diário de Clara Cardoso:
“A frieza de Victor não era o que me assustava mais. Era a maneira como ele falava, como se tudo fosse um grande jogo de estratégia e nós, apenas peças descartáveis.”
Clara foi levada para uma ala isolada da Lancellotti Futures, um lugar que nem mesmo os funcionários regulares conheciam. O ambiente era opressivo e inóspito, com leitos dispostos em fileiras ordenadas, cada um equipado com máquinas de monitoramento que piscavam incessantemente. As camas eram duras, revestidas por lençóis frios e ásperos. O silêncio absoluto era frequentemente quebrado por respirações pesadas e ocasionais gritos de agonia, ecoando pelos corredores como um lembrete constante do sofrimento que ali residia.
Victor tinha planos claros para Clara: transformar sua antiga funcionária em uma ferramenta para avançar sua pesquisa. Os experimentos começaram imediatamente, com nanorrobôs sendo injetados em seu corpo para acelerar a regeneração celular. No início, os resultados pareciam promissores. Feridas cicatrizavam rapidamente, e sua força física aumentava visivelmente. Mas esses avanços vinham com um custo devastador.
Relatório Confidencial de Victor:
“Sujeito 401 apresenta sinais de adaptação inicial. Regeneração celular acelerada em 250%. No entanto, instabilidade celular detectada após 48 horas. Tumores benignos começaram a se formar em áreas regeneradas.”
Com o passar das semanas, os efeitos se tornaram mais severos. Clara enfrentava episódios de febres violentas, seguidas de períodos de letargia extrema. Sua pele, antes saudável, começou a exibir manchas escuras em áreas onde os nanorrobôs agiam mais intensamente. E, então, vinham os espasmos musculares.
Trecho do diário de Clara Cardoso:
“As dores são insuportáveis. Sinto que meu corpo está em guerra consigo mesmo. Às vezes, penso que seria melhor morrer de uma vez do que continuar existindo assim.”
Victor, enquanto isso, registrava tudo com uma frieza meticulosa. Mas havia algo diferente nos olhos dele quando olhava para Clara. Não era apenas a fascinação científica; era algo mais complexo, uma mistura de culpa e negação.
Trecho do diário de Victor:
“Clara é forte. Ela sempre foi. Esses efeitos colaterais são apenas etapas necessárias para o progresso. Ela entenderia se pudesse ver o que eu vejo.”
Os experimentos chegaram ao ponto em que Clara mal conseguia distinguir a realidade das alucinações. Ela via rostos conhecidos nos espelhos dos laboratórios, ouvia vozes chamando seu nome nos corredores. Mas, talvez, o mais aterrorizante fosse a sensação de que estava se tornando algo que ela não reconhecia.
Trecho do diário de Clara Cardoso:
“Olho para minhas mãos e vejo algo que não é meu. Como se o que eu era estivesse se desfazendo, e algo… diferente estivesse tomando meu lugar.”
Ao longo de três meses, os experimentos começaram a revelar algo inesperado. O corpo de Clara, em meio ao caos, mostrou sinais de adaptação. Os tumores cessaram de crescer, e as áreas de regeneração se estabilizaram. Sua pele cicatrizava rapidamente, e seus reflexos eram mais ágeis do que nunca. Mas essas aparentes vitórias eram acompanhadas de um peso imensurável. Clara não era mais a mesma.
Relatório Confidencial de Victor:
“Sujeito 401 estabilizado após 96 dias. Alterações significativas na estrutura celular. Resiliência física aumentada em 350%. Impactos psicológicos e neurológicos notórios, incluindo sinais de dissociação e alucinações recorrentes.”
Mesmo em seus momentos de maior racionalidade, a culpa começava a se infiltrar.
Trecho do diário de Victor:
“Clara não entende. Ela é um símbolo do progresso, uma ponte para o futuro. O que estamos fazendo aqui definirá gerações. Se ela pudesse ver além da dor, além da transformação, saberia que seu sacrifício não será em vão.”
A verdade, porém, era que Victor estava ficando cada vez mais instável. Ele justificava suas ações com discursos grandiosos, mas no fundo sabia que estava ultrapassando limites que nunca deveriam ser cruzados. Ele via Clara como um experimento bem-sucedido, mas cada vez que a olhava, sentia um vazio que palavras não podiam preencher.