O Preço da Eternidade, capítulo 5: Culpa, redenção e a fuga

Decisões tomadas no calor do momento levam a um caminho inesperado. Em meio à culpa e ao desejo de reparação, alianças se formam para desafiar as circunstâncias e buscar um novo começo.

Ah, humanos… Tão fascinantes em sua capacidade de carregar culpas — e de tentar evitá-las. Desde o momento em que Clara foi capturada, a equipe de Victor mergulhou num silêncio pesado, onde cada um se tornava cúmplice não por palavras, mas pela falta delas.

Marcos, o técnico de laboratório, passava os dias remoendo cada detalhe do plano fracassado, mas agora com um crescente senso de revolta misturado à culpa. A cada manhã, os gritos de Clara, vindos dos leitos de teste, o torturavam. Era um som que parecia cortar diretamente sua alma, um lembrete cruel de sua própria inação.

Trecho do diário de Marcos:
“Eu vi Clara sendo levada, e não fiz nada. Nada. As câmeras capturaram tudo, e eu apenas assisti. Agora, cada vez que passo pelos corredores, ouço seus gritos ecoando na minha mente. Não sou melhor do que os outros que assistiram sem agir. Talvez eu seja pior, porque sabia o que ela representava. Ela não era só uma colega. Era nossa chance de sermos mais do que cúmplices.”

Vanessa, por outro lado, estava sufocada por uma culpa que se aprofundava a cada dia. Quando entregou Clara, havia uma faísca de lógica distorcida em sua decisão: proteger a si mesma e aqueles ao seu redor. Nos primeiros dias, tentou fugir do que havia feito, evitando os corredores onde Clara estava confinada, mas algo dentro dela a impedia de esquecer. Todos os dias, lia os relatórios que documentavam as transformações de Clara; cada palavra escrita era um peso insuportável que parecia gritar a verdade de sua própria cumplicidade.

Trecho do diário de Vanessa:
“Não era para ser assim. Eu pensei que estava me protegendo, protegendo todos nós. Mas o que fiz foi muito pior. Clara era humana; agora, eu nem sei como chamá-la. Victor a transformou em algo que me assombra nos meus sonhos e nos meus dias. Eu fui a chave que abriu essa porta, e agora não há como fechá-la.”

Mesmo durante o dia, cada grito ou gemido que ouvia parecia sussurrar diretamente para ela, questionando suas escolhas. A cada relatório que lia, Vanessa sentia como se estivesse se afogando, incapaz de respirar. A culpa era uma ferida aberta, uma que nenhum tempo ou desculpa conseguia cicatrizar.

Marcos começou a transformar sua culpa em determinação, mas não sem dificuldade. Ele passava horas estudando os relatórios de Victor, buscando falhas, padrões, qualquer coisa que pudesse ser usada contra o sistema impenetrável que o cientista havia criado. Por outro lado, Vanessa oscilava entre paralisia emocional e pequenos atos de reparação: bilhetes deixados em locais discretos para Clara, sussurros de encorajamento quando ninguém podia ouvir.

Trecho adicional do diário de Vanessa:
“Eu a vi hoje, por trás do vidro. Ela não me reconheceu. Talvez tenha sido melhor assim. Não sei se posso encarar seus olhos agora. Mas prometo a mim mesma: não importa o custo, eu vou corrigir isso. Eu devo isso a ela. Eu devo isso a mim mesma.”


O silêncio da equipe não era absoluto. Marcos e Vanessa, presos em suas culpas, começaram a trocar olhares nos corredores e palavras sussurradas durante os turnos. Eles sabiam que Victor não podia descobrir nada, mas também sabiam que precisavam agir.

Diálogo entre Marcos e Vanessa:
Marcos: “Você viu os relatórios mais recentes? Clara está estável, mas você acha que ela ainda é… ela?”
Vanessa: “Eu não sei. Mas sei que, se continuarmos calados, nós somos iguais a ele. Nós a destruímos.”
Marcos: “Não temos opção. Precisamos tirá-la daqui.”

O plano começou pequeno, com a verificação de turnos e o estudo das saídas menos vigiadas. A cada dia, os dois construíam uma rota de fuga que dependia não apenas da coordenação entre eles, mas também das capacidades únicas que Clara havia desenvolvido.

Vanessa, que havia se distanciado de Clara após a traição, aproximou-se novamente com uma hesitação palpável. Cada vez que passava pelo local onde Clara estava confinada, carregava consigo não apenas pedaços de informação e alimentos, mas também um peso que parecia dobrar seus ombros. Quando entrou na cela pela primeira vez, evitou olhar diretamente nos olhos de Clara, temendo o julgamento mudo que encontraria.

Trecho do diário de Clara Cardoso:
“Ela apareceu hoje. Vanessa. Com os olhos vermelhos e as mãos trêmulas, deixou algo na minha bandeja — um pequeno bilhete, dobrado apressadamente. ‘Vamos tirá-la daqui. Confie em mim.’ Eu a encarei em silêncio por alguns segundos antes de pegar o bilhete. Não sei se consigo confiar novamente. Não sei se quero confiar novamente. Mas, ao mesmo tempo, sei que preciso. É minha única esperança.”

Vanessa não disse muito durante essas visitas. Em vez disso, suas ações falavam mais alto. Ela ajustava os cobertores deixados de forma negligente pelos guardas, verificava discretamente se Clara ainda tinha forças para se manter em pé, e, por vezes, ficava parada ao lado da porta por longos minutos, murmurando desculpas que nunca tinham som alto o suficiente para serem ouvidas.

Trecho adicional do diário de Clara Cardoso:
“Há algo diferente nela. Como se estivesse tentando remendar o irreparável. Às vezes, vejo o reflexo de seu rosto no vidro e, por um instante, penso que está mais presa do que eu.”

Clara, por outro lado, sentia sua mente ceder aos poucos. Pequenas falhas começavam a aparecer: esquecimentos momentâneos, lapsos em sua percepção do tempo e, o pior de tudo, flashes de memórias distorcidas que a faziam duvidar de quem ela era. Essas visitas de Vanessa, embora carregadas de tensão, eram uma espécie de âncora, um lembrete de que ainda havia algo humano ao seu redor.


A noite da fuga foi mais do que cuidadosamente calculada; foi uma obra de paciência e desespero. Clara, agora mais forte fisicamente, mas psicologicamente em frangalhos, sabia que cada segundo seria crucial. Marcos e Vanessa tinham trabalhado durante semanas para planejar cada detalhe, sabendo que qualquer erro seria fatal.

Marcos, com sua mente analítica, dedicou horas a mapear os sistemas de segurança do complexo. Ele monitorava os turnos dos seguranças, anotava os horários de troca e calculava os minutos exatos em que os corredores ficavam vulneráveis. Vanessa, por outro lado, usava sua posição para obter acesso a áreas restritas, roubando pequenos fragmentos de informação que, quando unidos, formavam o plano final.

Trecho do diário de Marcos:
“Quando desliguei as câmeras pela primeira vez, senti o peso de tudo o que estava em jogo. Não havia margem para erro. Se algo falhasse, seria o fim de Clara. E, talvez, o nosso também.”

Na noite decisiva, Marcos desativou os sistemas de câmeras em um setor isolado. Ele estava escondido na sala de servidores, o suor escorrendo enquanto digitava os comandos. Cada segundo parecia uma eternidade. Enquanto isso, Vanessa usava seu crachá para abrir as portas que levavam às saídas laterais do complexo. Cada porta se abria com um som baixo, mas para ela, parecia um estrondo.

Clara, por sua vez, estava pronta para correr. Sua força física recém-descoberta era uma arma que ela mal entendia, mas estava disposta a usar. A dor e as memórias confusas ainda a perseguiam, mas sua determinação era inabalável.

Marcos: “Mais cinco metros. Pare. Há um sensor ao lado direito. Espere até a luz ficar verde… Agora!”
Clara: “Entendido. Estou indo para a saída.”

Victor, por sua vez, estava em seu gabinete, um espaço luxuoso que parecia um mundo à parte do frio opressivo dos corredores do subsolo. Quando os alarmes soaram, ele levantou-se lentamente, ajustando o terno com a precisão de um maestro antes de um concerto. Para Victor, o caos era apenas mais uma sinfonia a ser conduzida, mesmo quando o mundo ao seu redor começava a se desmoronar.

Trecho do diário de Victor:
“Ela fugiu. Mas a verdade é que isso não importa. Nada disso importa. Clara não é mais Clara. Ela é minha criação, e onde quer que ela esteja, ela carrega meu legado.”

Clara alcançou a última porta com as mãos tremendo, mas seus movimentos eram precisos. Vanessa e Marcos aguardavam na sala de servidores, monitorando seus avanços. Quando a porta finalmente se abriu, Clara sentiu o ar frio da noite em seu rosto. Ela correu sem olhar para trás, lutando contra a dor e os fantasmas que a perseguiam.

Trecho do diário de Clara Cardoso:
“Eu corri porque não havia outra escolha. Não era liberdade que eu sentia; era sobrevivência. A liberdade, eu sabia, ainda estava longe. Mas, pela primeira vez, eu a vi como uma possibilidade.”