O Preço da Eternidade, capítulo 8: Marcos – O Planejador

Marcos transforma sua culpa em propósito. Usando sua inteligência estratégica, ele começa a desenhar os primeiros passos para enfrentar Victor, adaptando-se ao caos enquanto procura aliados para sua causa.

Ah, Marcos. Há uma linha tênue entre a culpa que paralisa e a que transforma. No momento em que Clara escapou, você quase não teve a mesma sorte. Marcos estava na sala de monitoramento, as mãos firmes no teclado enquanto instruía Clara e Vanessa pelos comunicadores. Ele observava as câmeras com precisão, ajustando os ângulos para criar brechas nos protocolos de segurança. Quando Clara finalmente atravessou a última porta, um alívio momentâneo o envolveu. Mas sua vitória foi curta. Antes que pudesse perceber, sentiu uma mão pesada em seu ombro. Um dos seguranças, enorme e com um olhar vazio, o havia encontrado.

Parecia que tudo estava perdido. Enquanto o homem o arrastava pelos corredores, Marcos sabia que cada segundo era crucial. Em um ato de puro instinto, aproveitou uma distração — o som de um alarme mais adiante — e derrubou uma pilha de equipamentos próxima, criando um momento de caos. Ele conseguiu se soltar e, sem olhar para trás, correu em direção à saída, escapando para um mundo onde jurou nunca mais voltar àquele prédio.

Após a fuga, Marcos encontrou refúgio em um armazém abandonado na periferia da cidade. O lugar era espaçoso, mas desolado: paredes de concreto manchadas pelo tempo e cobertas de grafites desbotados, janelas quebradas que deixavam o vento assoviar livremente, e pilhas de caixas velhas que exalavam o cheiro de madeira úmida misturada ao ferro oxidado. Uma luminária pendurada por fios expostos piscava intermitentemente, criando sombras dançantes que pareciam brincar com sua mente.

Marcos, um homem negro de estatura média, com traços marcantes e um olhar intenso que refletia tanto determinação quanto arrependimento, se movia pelo espaço com cautela. Suas vestimentas, um conjunto de calça jeans e camisa social que um dia haviam sido impecáveis, agora estavam rasgadas e sujas. A camisa, especialmente, trazia um rasgo longo na lateral, fruto de sua corrida frenética quando escapou por uma porta automática que quase o esmagou no longo corredor da Lancellotti Futures. As mangas estavam esfarrapadas, e manchas de graxa e sangue seco testemunhavam o caos que havia enfrentado.

Ali, no silêncio quebrado apenas por sons ocasionais de veículos distantes e o farfalhar do vento pelas frestas, Marcos começou a refletir. Cada canto daquele armazém, com seu vazio opressivo, parecia ecoar sua culpa e dúvidas, mas também oferecia um espaço onde ele poderia se recompor.

Trecho do diário de Marcos: “Este armazém é tão desolado quanto eu me sinto. Mas talvez seja aqui, nesse vazio, que eu consiga me reconstruir. Cada rachadura na parede é um lembrete de que mesmo algo quebrado ainda pode permanecer de pé.”

As noites no armazém eram frias e intermináveis. Marcos revivia cada momento da fuga, cada erro que acreditava ter cometido. A imagem de Clara sendo arrastada pelos corredores frios da Lancellotti Futures o perseguia. Ele sabia que, em muitos sentidos, tinha falhado. Mas, no fundo, sentia que ainda podia fazer algo — que precisava fazer algo. A culpa que antes o consumia começava a se transformar em um combustível.

Trecho do diário de Marcos: “Eu a vi sendo levada. Eu vi e fiquei paralisado. Agora, tudo o que faço é imaginar como deveria ter agido. Mas o que adianta isso agora? Se eu quero realmente mudar algo, não posso mais me permitir hesitar.”

Com o passar dos dias, Marcos começou a encontrar propósito no caos. Ele vasculhou o armazém com o olhar aguçado de quem passara anos estudando sistemas complexos. Ferramentas enferrujadas, cabos desgastados e pedaços de metal, que outros considerariam inúteis, tornaram-se suas peças-chave. Ele montou uma bancada improvisada com tábuas e caixas velhas, transformando o espaço em um centro rudimentar de operações. Diagramas e mapas de segurança começaram a tomar forma, cada linha traçada com precisão quase obsessiva.

O conhecimento detalhado de Marcos sobre a Lancellotti Futures tornou-se sua arma mais poderosa. Ele lembrava cada canto das estruturas, cada ponto cego das câmeras e os horários em que os sistemas de segurança eram mais vulneráveis. Sua memória visual invejável permitia recriar mentalmente os corredores, as salas de monitoramento e até os padrões de patrulha dos seguranças.

Mas isso não era tudo. Marcos, um gênio em mecânica e sistemas de vigilância, usava suas habilidades para adaptar-se a sua nova realidade. Ele criou dispositivos improvisados: pequenos rastreadores, bloqueadores de sinal e até armadilhas simples para proteger seu refúgio. Sabia que Victor nunca esqueceria uma traição como a sua, e estar um passo à frente era vital.

Trecho do diário de Marcos: “Eu ajudei a construir os sistemas que mantêm Victor no poder. É irônico que agora eu os use para tentar derrubá-lo. Cada linha que desenho, cada ferramenta que conserto, é um passo na direção certa. Ele pensa que o controle é absoluto, mas esqueceram de uma variável: eu.”

Mas Marcos também sabia que não poderia fazer isso sozinho. Ele não estava apenas planejando por Clara; ela era o catalisador, mas não o único motivo. Cada decisão, cada plano traçado, vinha da culpa latente por todas as vezes que vira alguém ser levado nos corredores frios da Lancellotti Futures e ficara calado. Clara havia libertado algo dentro dele: a percepção de que sua conivência o fazia tão culpado quanto aqueles que comandavam os horrores.

Agora, ele via um propósito maior. Ele queria corrigir o curso, expor o sistema, e impedir que mais vidas fossem destruídas. A luta contra Victor era também uma luta contra si mesmo. Por mais que tentasse se convencer do contrário, o isolamento começava a cobrar seu preço. Ele precisava de aliados, de alguém que compartilhasse sua dor e seu objetivo. E, acima de tudo, precisava encontrar Clara novamente. Ela era a peça central de tudo isso. Se alguém tinha o poder de lutar contra Victor, era ela.

E assim, Marcos traçou um novo objetivo: sair das sombras e se reunir com Clara. Ele sabia que a jornada seria perigosa, mas também sabia que não havia outra escolha. Ele não era mais apenas um técnico que seguia ordens; agora, ele era o planejador. E, dessa vez, ele não falharia.