O Preço da Eternidade, capítulo 2: A Descoberta da Lancellotti Futures

Nos laboratórios frios da Lancellotti Futures, a busca pela cura de uma doença fatal revela um segredo: a possibilidade de imortalidade. Mas o progresso tem um preço, e a ciência começa a ultrapassar os limites do aceitável.

Antes de Victor Lancellotti tropeçar na imortalidade, havia um caminho pavimentado por escolhas, pressões e, claro, uma boa dose de descaso com as regras que mantêm a humanidade no eixo. Ah, sim, vamos voltar um pouco. Você precisa entender como tudo isso realmente começou.

Victor acreditava que seu destino era controlar o futuro, mas ironicamente, o futuro começou a fugir de suas mãos. Ele não iniciou essa jornada buscando a eternidade, mas sim uma solução para conter a própria destruição — a doença que corroía seu corpo e ameaçava desmoronar tudo que havia construído. E, para isso, ele ultrapassou todos os limites.

Seus primeiros passos envolveram desviar recursos de projetos destinados a curar doenças raras para financiar pesquisas arriscadas em regeneração celular. Documentos foram forjados, relatórios mascarados, e testes realizados em animais sem qualquer consideração pelas consequências. Um dos primeiros experimentos gerou uma mutação tão instável que as células começaram a se multiplicar descontroladamente, destruindo o organismo hospedeiro em questão de horas. Ainda assim, Victor ordenou que prosseguissem, dizendo que “o fracasso é apenas um custo no caminho para o sucesso.”

Trecho de Reunião Interna da Lancellotti Futures: Cientista 1: “Estamos ultrapassando limites aqui. A regeneração celular indefinida é imprevisível em organismos complexos.” Victor: “É por isso que vocês são pagos. Não quero saber dos limites. Quero saber como rompê-los.”

Ah, e os cientistas… Como poderiam resistir? Victor lhes oferecia orçamentos ilimitados, laboratórios do mais alto nível e a promessa de que seus nomes estariam para sempre gravados na história da ciência. Os laboratórios da Lancellotti Futures eram tão magníficos quanto a própria sede da empresa. Modernos, com máquinas de ponta que pareciam saídas de um futuro distante, e janelas enormes que permitiam ao público observar o trabalho interno — um gesto calculado de “transparência” que escondia a verdadeira natureza do que acontecia ali.

Os cientistas que trabalhavam nesses espaços sempre trajavam uniformes impecavelmente alinhados, refletindo o padrão de perfeição que Victor exigia. Mas o verdadeiro espetáculo de horrores estava escondido no subsolo. Lá, os laboratórios eram igualmente impressionantes, com tecnologias impossíveis de imaginar, algumas nunca sequer reveladas ao público geral. No entanto, era nesse ambiente impecável que as atrocidades se desenrolavam.

Jaulas contendo animais de teste estavam alinhadas, com os mínimos recursos para mantê-los vivos. Cada criatura parecia carregar no olhar o peso de um sofrimento indescritível. Câmeras de vigilância cobriam todos os ângulos, como olhos e ouvidos de Victor, que monitorava tudo de sua sala, garantindo que nada escapasse ao seu controle. Ali, mutações horrendas e um número alarmante de mortes prematuras eram apenas o começo.

Entre os muitos rostos anônimos que trabalhavam para Victor, havia uma pesquisadora que começava a questionar o que acontecia. Clara Cardoso, especialista em bioética e genômica avançada, era uma presença discreta, mas observadora. Uma mulher bonita para os padrões de beleza, de média estatura e beirando os 30 anos, seus cabelos longos e escuros estavam sempre meticulosamente presos em um coque no alto da cabeça.

Um verdadeiro prodígio na universidade, Clara havia concluído com excelência todas as matérias, destacando-se tanto por sua inteligência quanto por sua determinação em fazer a diferença no mundo científico. Ela tinha sido recrutada com a promessa de revolucionar a medicina, mas o que encontrou foram corredores cheios de segredos e relatórios manchados por dúvidas morais. Seus olhos captavam o que outros preferiam ignorar, e seu silêncio a mantinha fora do radar de Victor — por enquanto.

Mesmo entre os mais cínicos de sua equipe, os murmúrios cresciam. Clara percebia que, por trás da fachada brilhante de Victor, havia uma sombra de algo muito mais egoísta. “Para quem, afinal, é essa pesquisa?”, pensava ela. Victor podia controlar muitas coisas, mas não conseguia sufocar as dúvidas éticas que começavam a germinar entre aqueles que ainda se preocupavam com as consequências de suas ações. Pelo menos, não ainda.

Relatório confidencial de Clara Cardoso: “Os experimentos estão fora de controle. Fomos instruídos a ignorar sinais claros de instabilidade genética. Victor não aceita atrasos e, para ele, tudo é um custo aceitável diante de seu objetivo.”

E, claro, os problemas não eram apenas internos. A pressão do lado de fora também crescia. Reguladores internacionais começaram a desconfiar do ritmo acelerado das pesquisas e da falta de transparência nos resultados. Ah, mas Victor era um mestre em desviar atenções. Uma doação generosa aqui, uma campanha de relações públicas ali, e as críticas desapareciam como fumaça ao vento.

Para reforçar sua narrativa, Victor organizou uma comitiva em uma das salas mais luxuosas do prédio principal da Lancellotti Futures. O espaço, cuidadosamente projetado, exalava sofisticação e poder. As paredes de vidro refletiam a paisagem urbana enquanto lustres modernos espalhavam uma luz suave pelo ambiente. Na mesa central, uma disposição impecável de microfones, cafés gourmet e aperitivos finos aguardava os jornalistas convidados. Tudo havia sido preparado para distrair, para encantar.

Victor, com sua presença magnética, caminhava entre os convidados, cada gesto e sorriso calculados para reforçar sua imagem de visionário benevolente. Ele sabia que as perguntas mais afiadas poderiam ser suavizadas com um olhar de seus olhos cor de âmbar e promessas envoltas em belas palavras. “Transparência” era o tema do dia, mas todos ali sabiam, ainda que não admitissem, que o verdadeiro espetáculo estava escondido no subsolo.

Discurso público de Victor Lancellotti: “Estamos à beira de um avanço que mudará a forma como vivemos. Essa pesquisa não é apenas para mim; é para todos. Estamos falando de curar o envelhecimento, de melhorar a qualidade de vida da humanidade. Não é esse o futuro que todos desejamos?”

Mas em privado, as coisas não eram tão simples. As pressões éticas e morais que Victor ignorava pesavam sobre sua equipe. Houve tentativas de desistência, e até mesmo uma ameaça de denuncia-lo publicamente. Uma situação que Victor rapidamente contornou, não com argumentos, mas com um lembrete claro de onde estavam suas lealdades. E, caso isso falhasse, havia outros métodos mais sombrios.

Nota de um cientista demitido: “Ninguém sai da Lancellotti Futures por vontade própria. Victor não pode permitir que seus segredos sejam expostos. Ele disse que a ciência não é para os fracos. Mas não é fraqueza querer dormir à noite sem carregar os horrores dessa pesquisa?”

E assim, os experimentos continuaram. Conforme a instabilidade inicial dos testes diminuiu, Victor tomou uma decisão ainda mais ousada: testar sua descoberta em humanos. Ele sabia que não poderia usar pessoas influentes ou em situação de destaque — isso atrairia atenção indesejada. Em vez disso, ele se voltou para as massas invisíveis: os desamparados, os desesperados, aqueles que nunca poderiam pagar pelo tratamento, muito menos contestar o que estava acontecendo.

Essas pessoas eram atraídas por uma fachada impecável. Primeiro, eram entrevistadas em salas luxuosas do prédio principal da Lancellotti Futures. Com poltronas confortáveis, mesas de madeira polida e vistas panorâmicas da cidade, tudo ali era projetado para transmitir segurança e progresso. Os contratos, apresentados como uma oportunidade única, eram entregues com palavras cuidadosas, enquanto um buffet fino e um ambiente acolhedor distraíam as dúvidas que poderiam surgir.

Mas o glamour acabava no momento em que assinavam os papéis. Assim que o contrato estava selado, essas pessoas eram conduzidas ao subsolo, para quartos minúsculos que lembravam mais jaulas do que alojamentos. Sem janelas, com camas estreitas e iluminação artificial, o espaço era frio e impessoal. Para Victor, aquelas pessoas não tinham valor; eram ferramentas descartáveis em sua busca pelo progresso. Ele as tratava com menos respeito do que mostrava aos animais de teste.

Diariamente, eram submetidas a exames que beiravam a tortura, não pela dor física, mas pelos efeitos colaterais devastadores. Mutações, febres intensas e degradação celular eram apenas algumas das consequências enfrentadas por esses “voluntários”. O único motivo pelo qual recebiam alimentação de qualidade era porque Victor sabia que seus corpos eram necessários para sustentar os experimentos — o progresso, como ele chamava, exigia sacrifícios.

Os primeiros resultados foram desastrosos. Muitos morreram em questão de dias, seus corpos incapazes de suportar as alterações celulares drásticas. Outros, que sobreviveram mais tempo, experimentaram efeitos colaterais severos, incluindo mutações irreversíveis. Mas Victor não recuou. Ele utilizava esses fracassos como dados valiosos, avançando cada vez mais perto de seu objetivo.

Relatório de Pesquisa Interno: “Sujeito 245: morte cerebral após 36 horas. Sujeito 251: hiper-regeneração descontrolada resultando em falência orgânica. Sujeito 259: estabilização parcial, sem efeitos colaterais aparentes até o momento.”

Quando finalmente alcançou um grau de estabilização em alguns voluntários, Victor enfrentou um dilema silencioso. Muitos cientistas em sua equipe, exaustos pela pressão moral, recusaram-se a continuar, temendo tanto os riscos quanto as repercussões. Mas Victor tinha uma solução: ele mesmo.

Num ato que alguns poderiam chamar de coragem — mas que eu prefiro chamar de desespero mascarado de ambição —, Victor decidiu se tornar sua própria cobaia. Para ele, a recompensa superava os riscos. Afinal, quem melhor para provar a eficácia da imortalidade do que o homem que a financiou? E assim, com uma pequena equipe leal e aterrorizada, Victor se submeteu ao procedimento. Victor seguia em frente, empurrando sua equipe para avançar mais rápido, mais fundo, ignorando os ecos de alerta que vinham de todas as direções.

Ele sabia que estava jogando com fogo. Mas para Victor Lancellotti, o medo de ser esquecido era maior do que qualquer consequência que pudesse surgir. Afinal, qual é o preço de uma eternidade, senão o sacríficio da alma de quem ousa tocá-la?