Arthur estava no metrô, encostado na porta, quando ela sorriu pela primeira vez. Não era para ele – ou talvez fosse. Ele não tinha certeza, mas não importava. O sorriso dela era suave, quase tímido, e durou apenas um instante antes que seus olhos voltassem às páginas do livro. Ainda assim, foi o suficiente para acender algo dentro dele, um calor que contrastava com a frieza metálica do vagão lotado.
Durante o resto do dia, ele revivia aquele momento como se fosse um filme. Repetia o sorriso na mente, analisando cada detalhe: a curva dos lábios, o jeito como as mãos dela seguravam o livro, a leve inclinação da cabeça. Era um sorriso que ele acreditava dizer algo, ainda que não soubesse exatamente o quê. Ele chegou a imaginar que, talvez, fosse um convite, algo sutil, mas intencional.
No dia seguinte, ele saiu de casa quinze minutos mais cedo. Não tinha uma desculpa clara para si mesmo, mas sabia que queria vê-la novamente. Passou a ajustar seus horários, criando rotinas que aumentassem as chances de encontrá-la no mesmo vagão, na mesma estação. Quando ela não aparecia, Arthur sentia um vazio profundo, como se a ausência dela roubasse o propósito do dia.
E então, numa quarta-feira, ele a viu fora do metrô.
Estava no supermercado, entre as prateleiras de vinhos, segurando uma garrafa enquanto examinava o rótulo. Arthur, parado no corredor ao lado, fingiu estar interessado em pacotes de macarrão enquanto a observava. Ela parecia completamente alheia à sua presença, mas, para ele, aquele momento era uma revelação: ela era real, de carne e osso, habitando o mesmo mundo que ele.
Foi então que ele percebeu algo estranho: mesmo ali, tão próxima, ela ainda parecia distante. Cada gesto dela era perfeito demais, como se coreografado. Arthur sentiu o mesmo fascínio que sentira no metrô, mas, misturado a isso, algo novo – uma inquietação que ele não conseguiu nomear.
Quando ela pagou as compras e saiu, Arthur ficou para trás, segurando o macarrão que não planejava comprar. Permaneceu ali por vários minutos, tentando entender o que aquela breve visão significava para ele. Mais tarde, ao voltar para casa, percebeu que estava sorrindo. Saber onde ela fazia compras parecia um pequeno triunfo.
Os sonhos começaram pouco depois.
No início, eram apenas flashes de imagens: o sorriso dela, o som quase inaudível das páginas virando, o movimento do metrô ao fundo. Mas, com o tempo, os sonhos se tornaram mais vívidos. Ele a via em lugares que nunca tinha estado, sob luzes que pareciam irreais. Ela falava com ele, a voz baixa e sedutora, embora ele nunca conseguisse lembrar exatamente o que ela dizia ao acordar.
“Por que você espera?”
As palavras dela ecoavam na escuridão de sua mente, mesmo quando estava acordado. Ele começou a acreditar que os sonhos eram mais que devaneios; eram mensagens. Chamados.
Arthur, que nunca ligou para a aparência, passou a prestar atenção em detalhes que antes lhe eram irrelevantes. Começou a vestir camisas novas, engomadas, e a usar um perfume guardado há anos. Poliu os sapatos. Passou a olhar seu reflexo com mais frequência, questionando-se se estaria à altura de alguém como ela.
Nos vagões do metrô, continuava a observá-la à distância, tentando decifrar o mistério que ela carregava. Ele notou que, às vezes, ela ria sozinha enquanto lia, um riso tão baixo que apenas os lábios se moviam. Outras vezes, seu semblante era sombrio, os olhos fixos em um ponto além do horizonte das páginas. Arthur se perguntava o que ela lia que a fazia alternar entre aqueles dois estados, mas sabia que nunca teria coragem de perguntar.
Um dia, numa sexta-feira, algo mudou.
Quando ela entrou no vagão, ele já estava lá, sentado no canto oposto. Ela o viu – disso ele tinha certeza. Seus olhos cruzaram os dele por um instante. Não houve sorriso, nem qualquer expressão que sugerisse reconhecimento, mas para Arthur aquilo foi monumental. O simples fato de ela ter olhado para ele parecia confirmar tudo o que ele havia imaginado.
Passou o fim de semana inteiro pensando naquele olhar, tentando decifrá-lo. Teria sido um acaso? Ou talvez ela estivesse, finalmente, começando a notá-lo? Ele escreveu e apagou dezenas de frases que poderia dizer a ela, mas nenhuma parecia certa. Sempre havia o medo de falar algo errado, de destruir a frágil ilusão que ele construíra em torno dela.
A obsessão começou a se infiltrar em tudo.
Arthur passou a procurar os livros que ela poderia estar lendo. Percorreu livrarias, tentando encontrar capas que se assemelhassem ao volume gasto que ela carregava. Comprou três livros que nunca abriu, mas os deixou empilhados ao lado da cama, como um altar dedicado a algo sagrado.
Ele percebeu que não sabia nada sobre ela. Nem seu nome, nem sua voz, nem de onde ela vinha. Mas isso não importava. Ou talvez fosse exatamente isso que importava: o fato de ela ser um mistério, algo que ele podia preencher com suas próprias ideias, suas próprias expectativas.
Ele não estava apaixonado por ela – ele sabia disso, em algum nível profundo. Estava apaixonado pela ideia dela. E essa ideia era perfeita porque era intocada, inalcançável.
Mas Arthur ignorava essas dúvidas, preferindo se agarrar à esperança que ela representava. Sem ela, ele sabia que voltaria a ser o homem que acordava cedo para olhar para o teto rachado. E isso era insuportável.