Parte 1: Os Últimos Ecos
O vento uivava como um lobo faminto, carregando o eco distorcido de vozes distantes. “Enforquem a bruxa!”, gritavam, suas palavras envenenadas trespassando a noite. Mas para Elara, acorrentada e exposta na praça do vilarejo, os gritos eram apenas um zumbido distante.
Naquele momento, não era o presente que a assombrava, mas as lembranças que ela nunca poderia esquecer. Uma em especial invadiu sua mente, como uma chama tênue em meio à escuridão.
Era uma manhã de primavera quando uma mãe desesperada bateu à porta de sua cabana. Seus olhos estavam inchados de tanto chorar, e nos braços ela carregava um menino magro, com o rosto pálido e febril.
“Ele está morrendo, senhora. Por favor, me ajude!”, suplicou a mulher, caindo de joelhos diante de Elara.
Sem hesitar, Elara pegou o menino nos braços e o colocou em sua cama simples. Vasculhou suas ervas e frascos cuidadosamente organizados, escolhendo folhas secas e raízes que sabia terem propriedades curativas. Enquanto preparava o chá, murmurava cânticos em um tom suave, suas palavras mais antigas que o próprio vilarejo.
O menino bebeu a infusão, e a febre começou a ceder. Horas depois, ele abriu os olhos e sorriu fracamente para a mãe, que chorava de alívio.
“Você salvou meu filho, senhora. Como posso agradecer?”
Elara sorriu e apenas respondeu: “Ensine-o a ser gentil. Isso será suficiente.”
Por alguns dias, a mãe trouxe pão e queijo como forma de agradecimento. Mas, conforme o menino melhorava e a vida da mulher voltava ao normal, os sussurros começaram. “Como ela sabia exatamente o que usar?” “Que magia negra fez o menino melhorar tão rápido?”
Elara ignorava os olhares desconfiados, mas sabia que aquela bondade, mais uma vez, seria sua ruína.
Agora, na praça do vilarejo, o aperto da corda em seu pescoço trazia Elara de volta ao presente. A multidão vociferava acusações e insultos, mas em sua mente, outra memória emergia. A de uma noite gelada de inverno, quando encontrara um homem encurvado contra o tronco de uma árvore, coberto por farrapos. Seus olhos estavam fundos, a pele manchada pela doença, e sua respiração era fraca. Ele parecia não ter forças nem mesmo para se assustar com sua aproximação.
“Você precisa de calor e comida,” disse Elara, estendendo a mão. Ele a olhou com desconfiança, mas o desespero venceu. Com sua ajuda, ele se levantou e foi conduzido até sua cabana.
Durante semanas, Elara cuidou dele. Fez caldos para restaurar sua força, aplicou unguentos nas feridas e murmurou cânticos para afastar a febre. Com o tempo, o homem ganhou cor e forças novamente. Seus olhos, antes apagados, agora brilhavam com gratidão.
“Você me salvou, senhora. Não tenho como pagar por sua bondade.”
“Não espero pagamento. Apenas use sua nova vida para ajudar outros.”
O homem ficou por um tempo, ajudando-a com pequenas tarefas. Elara começou a acreditar que poderia confiar nele. Mas então, certo dia, ele desapareceu sem aviso. E com ele, levou não apenas algumas das ervas de maior valor, mas também sua confiança na humanidade.
Dias depois, Col, o novo braço-direito do prefeito, apontou-a como bruxa em uma reunião do vilarejo. “Ela me curou com cânticos estranhos e poções diabólicas,” ele disse, a voz carregada de ódio fabricado. E o vilarejo acreditou.
Enquanto aguardava o amanhecer de sua execução, Elara refletia sobre cada ato de bondade que havia oferecido. Curar, proteger, ajudar… Tudo isso apenas lhe trouxera traição e sofrimento. Mas mesmo assim, ela não conseguia se arrepender.
Seu único arrependimento era ter confiado demais. E enquanto o sol lentamente se erguia, pintando o céu de cinza e dourado, Elara sentiu algo mudar dentro de si. Uma chama de fúria e determinação começou a crescer.
Se aquilo era o fim, ela o transformaria em um novo começo.