“Os humanos sempre buscam redenção. No fim, só encontram espelhos.”
Há noites em que o vento sussurra mais alto que os pensamentos, e nessas noites eu me lembro de como tudo começou. Minha vida não foi feita de grandes feitos ou vitórias; foi moldada pelas bordas do mundo, onde as sombras escondem segredos que poucos ousam encarar.
Eu nasci em uma vila esquecida, perdida entre as colinas verdejantes de um pequeno país da África Oriental chamado Malawi. Era um lugar onde o tempo parecia descansar, onde as noites eram mais longas e o silêncio dizia mais do que palavras.
Ali, a escuridão oferecia mais conforto que a luz, como se as estrelas fossem os únicos guardiões de segredos há muito esquecidos. Desde cedo, senti que não pertencia ali. Enquanto outros brincavam, eu observava. Era como se minha alma carregasse o peso de vidas que nunca vivi.
Meus olhos, disseram alguns, pareciam enxergar além do que era permitido. Talvez por isso sempre me vi como uma estrangeira, mesmo entre os meus.
Não vou mentir: lutei contra isso. Tentei me encaixar, tentei ser como os outros. Mas sempre havia algo que me puxava para fora da moldura. Uma inquietação, um desejo de entender as coisas que todos preferiam ignorar. E foi assim, pulando de telhado em telhado, que me tornei uma observadora, invisível aos olhos de muitos.
Você pode pensar que ser invisível é uma fraqueza, mas eu descobri que é uma força. Do alto dos telhados e das esquinas esquecidas, vi os humanos em suas vitórias e fracassos. Contudo não eram os triunfos que me fascinavam, mas as perdas. Era ali, no silêncio das derrotas, que as verdades mais profundas se escondiam. Percebi que cada perda carregava um eco de algo maior, algo que poucos tinham coragem de enfrentar.
Foi assim que comecei a escrever. Da minha invisibilidade, comecei a dar visibilidade ao eco que observava, trazendo luz àquilo que poucos conseguem ver. Dando voz àqueles que nunca tiveram a chance de contar suas histórias. Minhas palavras são afiadas como garras, não para ferir, mas para abrir feridas que precisam ser vistas. Alguns dizem que meus contos são sombrios demais, mas a verdade raramente é gentil. E é a verdade que me interessa.
Lembro-me de uma história em particular, de uma mulher que perdeu tudo em uma guerra que não escolheu lutar. Seu nome era Hanna, e ela carregava nos olhos o peso de mil tormentas. Hanna me ensinou que resistir não significa vencer; significa continuar, mesmo quando o mundo diz que é melhor desistir. Escrevi sobre ela em uma noite de lua cheia, e, quando terminei, senti que havia devolvido algo ao mundo — uma memória, talvez, ou um fragmento de justiça.
Hoje, sei que nunca encontrarei um lugar ao qual pertença completamente, mas não preciso disso. Descobri que minha força está nas bordas, onde poucos ousam ficar. E é daqui que continuo a observar, a ouvir, a escrever. Porque, no fim, não é sobre vitórias ou derrotas. É sobre as histórias que deixamos para trás.
“Por que eu escolho contar as histórias dos derrotados?” Você pode perguntar. Sorrio, como sempre, e respondo: “Porque os derrotados carregam a verdadeira coragem. E um dia, quando as cinzas assentarem, são eles que se erguerão como monumentos do que realmente importa.”