O Último Ato, capítulo 4: A Traição (Passado)

No calor de uma lareira crepitante, ele arranca o diário das mãos dela, rasga as páginas e as lança ao fogo. Enquanto as palavras queimam, ela se parte silenciosamente. O fogo devora as cinzas, mas não pode apagar o que ele destruiu: a essência dela.

O silêncio no quarto era quebrado apenas pelo som suave da caneta deslizando sobre o papel. A luz alaranjada da lareira iluminava o ambiente com um calor que parecia não alcançá-los mais. Ela estava sentada no chão, o diário equilibrado no colo, o rosto iluminado pela chama que tremeluzia no reflexo das páginas.

Ele a observava da porta, o olhar fixo nela. Algo naquele momento o incomodava profundamente. Não era apenas o diário. Era o jeito como ela desaparecia quando escrevia, como se ele não existisse. Como se, naquele instante, ela não precisasse dele.

“Você vai passar a noite inteira nisso de novo?”

Ela não olhou para cima. Seu silêncio, ao invés de resposta, foi um estalo. Ele respirou fundo, cruzando os braços.

“Eu estou falando com você.”

Ela parou de escrever, levantando os olhos devagar. Ele odiava aquele olhar. Não porque era duro ou agressivo, mas porque estava calmo demais. Como se ele fosse um detalhe, e não o centro da vida dela.

“Eu preciso disso.”

“Precisa? Por quê?” — Ele deu um passo à frente, a voz mais afiada do que queria. — “De que você precisa tanto que eu não posso te dar?”

Ela fechou o diário devagar, como se estivesse lidando com algo frágil.

“Você não entenderia.”

E foi aí que ele perdeu. Não sabia dizer se era raiva, orgulho ferido ou apenas a necessidade de provar que ele tinha controle. Mas em dois passos ele estava diante dela, a mão arrancando o diário antes que ela pudesse reagir.

“Não!” — O grito dela encheu o quarto, quebrando o silêncio como vidro.

Ele ignorou. Abriu o diário e começou a ler. As palavras eram como ferrugem em seus olhos. Ela havia escrito sobre ele. Sobre o vazio. Sobre a escuridão que ele fazia crescer dentro dela sem perceber. Cada frase era um golpe invisível, palavras que ele não sabia que existiam — ou que se recusava a enxergar.

“Você escreve isso em vez de falar comigo? Isso é o que você pensa de mim?!”

“Isso não é sobre você!” — Ela gritou, a voz quebrada pela urgência. — “São as minhas palavras! Minha vida!”

“Isso não significa nada!”

Ele rasgou a primeira página. O som seco ecoou pelo quarto, e o fogo na lareira estalou como em resposta. Ela engasgou num soluço, dando um passo à frente, as mãos estendidas.

“Não! Por favor, não faz isso!”

Ele olhou para a página rasgada em sua mão. Por um instante, algo dentro dele hesitou. Mas a raiva o empurrou para frente. Antes que pudesse pensar, ele atirou a folha na lareira. O papel flutuou por um segundo, como uma pena, antes de ser devorado pelas chamas.

“Para! Para, por favor!” — Ela correu até ele, mas ele a empurrou para trás.

“Isso é só papel! Só tinta!” — Ele rasgou outra página. E mais uma. Jogou ambas no fogo, cada pedaço iluminando o quarto por uma fração de segundo antes de virar cinzas.

Ela caiu de joelhos, os olhos fixos na lareira, o rosto iluminado pelo fogo.

“Você está me matando…” — A voz dela saiu num sussurro, engasgada, como se cada palavra a rasgasse por dentro.

Ele congelou. O som dela, tão baixo e quebrado, o atingiu mais forte do que qualquer grito poderia. Por um segundo, ele viu a mulher que ele conhecia — ou achava que conhecia — desmoronar ali mesmo, no tapete desgastado do quarto. Ela tentava juntar as páginas rasgadas do chão, os dedos trêmulos demais para segurá-las.

O fogo rugia na lareira, iluminando seu rosto de uma maneira que ele nunca esqueceria. Seus olhos estavam vazios, secos, como se algo dentro dela tivesse se partido para sempre.

“Você destruiu o que eu sou.”

As palavras ficaram suspensas no ar. Ele soltou o resto do diário, as páginas soltas espalhando-se pelo chão como folhas mortas. O calor do fogo parecia devorá-lo também.

“Eu… eu só…”

Ele não conseguiu terminar. Não havia mais nada a ser dito. Ela não o olhou de novo. Ficou ali, de joelhos, o rosto escondido pelos cabelos enquanto o fogo consumia tudo o que restava.

E ele soube. Soube, no mais profundo de si, que não havia mais volta.