Arthur e Clara, capítulo 2: O Passado Que Nunca o Deixou

Arthur relembra Clara, uma mulher que marcou profundamente seu passado. Entre memórias de desejo e perda, ele enfrenta os ecos de uma idealização que ainda o assombra.

Arthur conheceu Clara num dia que, à primeira vista, parecia ser como qualquer outro. Ele havia começado no novo emprego há algumas semanas, ajustando-se ao ritmo cansativo do escritório e às suas dinâmicas silenciosamente cruéis. Clara era diferente de qualquer outra pessoa que ele tinha conhecido ali. Ela tinha uma leveza que parecia deslocada naquele ambiente cinza, um jeito de transformar tarefas banais em algo quase agradável.

Ela não era uma mulher que chamava atenção de imediato. Os cabelos castanho escuros estavam quase sempre presos em um coque desalinhado, e suas roupas eram simples, funcionais. Mas havia algo nos olhos dela – aquele brilho atento, aquela maneira de inclinar a cabeça quando ouvia alguém falar. Clara fazia as pessoas ao seu redor se sentirem importantes, e Arthur não era exceção.

Na primeira vez em que conversaram, foi sobre um problema na impressora. Ela riu quando ele fez um comentário qualquer, algo que ele nem se lembrava depois. Mas o som daquela risada ficou gravado na mente dele, como se fosse a primeira cor vibrante num mundo de tons pastéis. Ele começou a reparar nela mais frequentemente, no jeito como ela batia os dedos na mesa enquanto pensava, na forma como franzia o nariz quando lia um e-mail que a irritava.

Com o tempo, as conversas casuais se tornaram mais frequentes. Clara tinha o tipo de curiosidade que fazia as pessoas se abrirem. Perguntava sobre os livros favoritos de Arthur, sobre suas bandas preferidas, sobre os lugares onde gostaria de viajar. Ele se surpreendia consigo mesmo, contando histórias que nunca compartilhara antes. Não porque eram grandes segredos, mas porque ninguém jamais perguntara.

Arthur se apaixonou por Clara aos poucos, quase sem perceber. No início, era apenas um fascínio por sua maneira de ser, mas isso logo cresceu para algo maior – algo que ele não conseguia nomear, mas que tomava conta dele a cada encontro.

Ele começou a idealizá-la. Clara era tudo o que ele não era: espontânea, calorosa, capaz de se conectar com o mundo de uma forma que ele nunca conseguiu. Para Arthur, ela era perfeita. Ele não via os momentos de hesitação dela, as pequenas falhas que outras pessoas talvez notassem. E, mesmo que visse, teria transformado esses detalhes em algo adorável. Clara não era apenas uma pessoa; ela era uma ideia, uma projeção de tudo o que ele desejava e acreditava que nunca poderia ter.

Um dia, numa festa de fim de ano da empresa, Arthur decidiu que iria dizer algo. Durante semanas, ele havia ensaiado o que falar, imaginando o momento em que confessaria seus sentimentos. Mas, quando a viu com outro colega – um cara alto, expansivo, que fazia todos rirem alto demais –, ele recuou. Clara parecia feliz com ele, e Arthur sentiu como se todo o ar tivesse sido arrancado do salão.

Depois disso, ele se afastou. Não conseguia encarar Clara sem sentir um nó no estômago, uma mistura de raiva e desespero. Ele tentava convencê-la, em silêncio, de que ela estava cometendo um erro, de que aquele homem não era bom o suficiente para ela. Mas Clara não via as coisas do jeito que ele via.

Eles tiveram uma última conversa, breve e fria, em que ela perguntou por que ele parecia distante. Arthur murmurou algo vago, mas não teve coragem de dizer a verdade. Quando ela saiu da empresa algumas semanas depois, levou com ela todas as possibilidades não realizadas que ele tinha construído em sua mente.

O que Clara deixou para trás, no entanto, foi mais duradouro do que a própria presença dela.

Arthur nunca deixou de pensar nela. Não era Clara como pessoa, mas Clara como ideia – uma representação de tudo o que ele queria, mas que sempre parecia estar fora de alcance. A perfeição que ele projetava nela tornou impossível para qualquer outra mulher ocupar aquele espaço em sua mente.

Por anos, ele se apegou a essa memória, voltando aos momentos que compartilhavam no escritório, à maneira como ela o fazia se sentir importante. Mesmo sabendo que Clara nunca o amou, ele se convencia de que, de algum modo, ela teria se apaixonado por ele se o mundo fosse diferente – se ele fosse diferente.

Quando ele viu a mulher do metrô pela primeira vez, a memória de Clara não veio imediatamente à mente, mas algo ressoou profundamente dentro dele. Era o mesmo sentimento: uma mistura de fascínio e desespero, uma necessidade de acreditar que aquela pessoa era a resposta para tudo o que faltava em sua vida.

Arthur não sabia o nome dela, mas já tinha certeza de que ela era importante. Como Clara, ela parecia viver em um mundo que ele só podia imaginar, um mundo onde ele nunca seria convidado a entrar.