O Último Ato, capítulo 5: As Consequências da Traição (Passado – Ponto de Vista dela)

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Após a traição, o mundo dela se desfez em silêncio. As páginas queimadas do diário deixaram um vazio que palavras não podiam preencher. Ela costurou cicatrizes e escreveu novas histórias, mas algo mais profundo crescia dentro dela: um espetáculo onde ele seria o réu.

O silêncio naquela casa nunca mais foi o mesmo depois daquela noite. Não era um silêncio comum, daqueles que vêm com o descanso ou a paz. Era um vazio — pesado, denso, como se o ar tivesse se tornado viscoso. Ela sentia o silêncio colado à pele, como um véu que a separava do mundo.

Por dias, ela não tocou no que restou do diário. As páginas rasgadas continuavam espalhadas pelo chão, como um campo de batalhas coberto de corpos. Ela as olhava, mas não conseguia se mover. Ele passava por ali sem dizer nada, sem olhar para ela, fingindo que nada havia acontecido.

“São só páginas.”

A voz dele ainda ecoava na mente dela, distorcida, cruel, como uma agulha arranhando um disco. Como ele podia dizer aquilo? Como ele podia não entender? Cada palavra que ela escrevera era um fio que a mantinha inteira. E agora tudo estava queimado.

Ela tentava dormir, mas o sono não vinha. As noites eram longas demais. A luz do fogo ainda ardia atrás das pálpebras fechadas, as páginas girando, queimando, se retorcendo. Ela via as palavras sendo engolidas pelas chamas, ouvia o rugido do fogo, e acordava ofegante, como se tivesse sido queimada junto com elas.

Naqueles momentos, sentada na cama vazia, ela sentia o peito oco. Um buraco onde o coração costumava estar.

“Você deixou um buraco onde meu coração deveria estar.”

A frase vinha sozinha, como um sussurro que não era dela. Ou talvez fosse. Ela não sabia mais.

O mundo ao redor começou a perder cor. Ela saía de casa, olhava para as pessoas e não conseguia ouvir suas vozes. Elas pareciam distantes, borradas, como se ela estivesse atrás de um vidro grosso demais. E ele… ele seguia com a vida. Falava, ria com amigos, fazia planos, mas nunca mencionava o que fizera. Para ele, aquela noite havia sido uma explosão e nada mais. Para ela, fora o começo de algo irreparável.

“Você está tão quieta ultimamente.” — Ele comentou uma manhã, enquanto tomava café.

Ela o observou por um instante, sem responder. As palavras que queria dizer morriam antes de chegar à garganta. Ela não sabia mais como falar com ele, como olhar para ele sem ver o fogo refletido em seus olhos. Ele havia queimado tudo o que ela era, mas não sabia disso. Talvez nunca soubesse.

Naquela tarde, ela voltou ao quarto e começou a juntar as páginas rasgadas. Algumas ainda tinham as bordas queimadas, cinzas caindo dos cantos conforme ela as tocava. Seus dedos deslizavam pelas palavras mutiladas, como se pudesse trazê-las de volta.

“Eu posso consertar.”

Era uma mentira. Ela sabia disso. Mas mesmo assim, sentiu a necessidade de tentar. Costurou algumas folhas com linha vermelha, os pontos tortos e dolorosos, como cicatrizes. Outras, guardou numa caixa. Uma caixa que ficou no fundo do armário, como um túmulo.

Nos dias que se seguiram, ela começou a escrever de novo, mas as palavras eram diferentes. Não havia mais histórias de liberdade ou esperança. Havia apenas escuridão — uma sombra que se espalhava por cada linha. E a cada palavra que escrevia, algo crescia dentro dela: um ressentimento pesado, denso, que a preenchia onde o vazio tinha ficado.

Ela parou de comer. Parou de rir. O som da própria voz a incomodava.

Uma noite, ele entrou no quarto e encontrou-a sentada na mesma posição de sempre, o rosto pálido sob a luz fraca do abajur.

“Você está bem?”

Ela ergueu os olhos lentamente, os lábios se curvando em um sorriso pequeno e vazio.

“Estou ótima.”

Ele não viu. Ele não percebeu que algo nela já tinha ido embora.

Naquela noite, ela sonhou com um palco. Um palco escuro e sem fim, com cortinas negras e uma plateia silenciosa. Ela estava lá, no centro, observando o vazio. Uma voz sussurrou em seu ouvido:

“As histórias sempre têm um final. Mesmo as nossas.”

Ela acordou com um sobressalto, o coração disparado. Mas, pela primeira vez em semanas, não sentiu o vazio. Sentiu uma ideia. Algo que, no fundo, parecia sorrir para ela.

“Eu vou reescrever o final.”

E naquela noite, ela começou a planejar o espetáculo.