A Fúria da Bruxa, capítulo 9: Dimitri Busca Redenção

Após o fracasso em salvar Plockton, Dimitri revisita sua culpa e o medo que o paralisou. Em flashbacks, ele revive os momentos antes da execução de Elara, onde sua hesitação selou o destino do vilarejo. Agora, ele tenta superar seus medos para agir de forma mais concreta e útil.

O silêncio que se seguiu ao desaparecimento de Elara era quase insuportável. Dimitri continuava ajoelhado ao lado do patíbulo, as mãos sujas de lama e sangue ainda segurando sua Bíblia. O vilarejo estava devastado. As ruas antes cheias de vida estavam agora desertas, exceto pelos ratos que rastejavam entre os corpos apodrecidos. O ar carregava o cheiro da morte, misturado a um silêncio opressivo que parecia gritar as consequências de sua omissão.

Ele se levantou com dificuldade, o peso da culpa tornando cada movimento um fardo. Caminhou pelas ruas vazias, vendo as janelas fechadas e ouvindo os lamentos abafados de sobreviventes trancados em suas casas. Cada passo era um lembrete de sua falha. Ele acreditava que sua fé e suas palavras poderiam salvar Plockton, mas agora via como havia se enganado. Sempre havia sentido que suas pregações eram como sementes caindo em solo infértil. Ninguém o ouvia porque, em parte, ele próprio nunca acreditou que suas palavras fossem o bastante. Era mais seguro sussurrar nos cantos do confessionário do que gritar no meio da praça. Mais seguro confiar que outros agiriam, enquanto ele orava por proteção.

Ao passar pela pequena igreja do vilarejo, Dimitri sentiu um impulso de entrar. A luz fraca que passava pelos vitrais iluminava o altar empoeirado, e ele caiu de joelhos mais uma vez. Suas palavras, porém, não vieram com facilidade. Era como se a culpa tivesse sufocado sua voz.

“Senhor, perdoai-me,” ele sussurrou. “Eu poderia ter feito mais. Eu deveria ter feito mais.”

Uma brisa fria percorreu a igreja, e por um instante, Dimitri sentiu como se não estivesse sozinho. Levantando os olhos, viu uma figura à distância. Elara estava ali, ou ao menos a sombra de sua presença. Seus olhos brilhavam no escuro, e ela o observava com um misto de curiosidade e desprezo.

“Você ainda acha que preces vazias vão salvar Plockton?” a voz de Elara ecoou, cortante como uma lâmina. “Quantas vezes você se ajoelhou enquanto o vilarejo que você deveria guiar se afundava na própria podridão?”

Dimitri engoliu em seco, tentando reunir coragem para responder. “Eu… eu tentei. Falei contra as injustiças, mas ninguém ouviu.”

Elara riu, um som seco e sem humor. “Falar? Você sussurrou, padre. Sussurrou em confissões e preces, mas nunca ousou erguer a voz onde importava. E agora, veja o que sua covardia trouxe.”

Ele sentiu o peito apertar, a verdade de suas palavras atingindo-o como um golpe. “O que você quer de mim?” ele perguntou, a voz quase um gemido. “Você veio para me condenar também?”

Elara inclinou a cabeça levemente, como se ponderasse a pergunta. “Eu não quero nada de você, Dimitri. Mas o vilarejo ainda pode querer. Você está vivo, enquanto muitos não estão. Pergunte-se por quê.”

Antes que ele pudesse responder, a figura de Elara desapareceu, como fumaça dispersa pelo vento. Dimitri ficou sozinho na igreja, mas suas palavras ecoavam em sua mente. Ele fechou os olhos por um momento, e uma memória veio à tona.

Era o dia da execução de Elara. O céu estava encoberto, e uma multidão enfurecida se reunia na praça. Dimitri estava no canto da multidão, observando com as mãos tremendo enquanto segurava sua Bíblia. Ele sabia que aquilo significava o fim do vilarejo. Sentia, com uma certeza quase sobrenatural, que a injustiça daquela morte traria consequências terríveis. Mas ele hesitou.

Lembrou-se de como a multidão o ignorava mesmo antes disso. Durante as missas, eles vinham apenas para marcar presença. Quando falava sobre misericórdia e compaixão, via olhares entediados ou desconfiados. “Você é apenas um padre,” dissera-lhe o prefeito uma vez. “Reze pelas almas deles, mas deixe o governo para mim.” Essas palavras haviam cravado raízes em seu coração, alimentando a dúvida e o medo.

E naquele dia fatídico, enquanto Elara, acorrentada, era arrastada para o patíbulo, ele sentiu seu corpo congelar. Quis gritar, mas a voz não veio. Quis correr até ela, mas suas pernas estavam imóveis. Era o medo. Um medo que ele nunca reconhecera em si mesmo até aquele momento, como se uma força invisível o mantivesse cativo. “Se eu falar,” pensara, “o que acontecerá comigo?” Ele sabia que não podia mais se esconder atrás de sua fé. Tinha que agir, mas não sabia por onde começar. O medo ainda estava lá, mas agora ele o reconhecia. Ele sabia que esse era o inimigo que precisava derrotar, mais até do que a própria maldição que pairava sobre Plockton.

Enquanto saía da igreja, uma criança surgiu entre os escombros, suja e com o olhar assustado. Ela segurava um pequeno rosário, estendendo-o para ele como se implorasse por ajuda.

Dimitri parou, encarando o objeto em suas mãos. Era um sinal, ou pelo menos ele escolheu acreditar que fosse. Ajoelhou-se diante da criança, pegando delicadamente o rosário e devolvendo-o a ela. “Eu vou ajudar você,” ele disse, e pela primeira vez, sentiu que suas palavras tinham peso.

O padre ergueu-se, o olhar determinado. Ele ainda não sabia como salvar Plockton, mas sabia que precisava tentar. E pela primeira vez, ele não se sentia tão sozinho em sua luta.