O despertador tocava às 6h45, mas Arthur quase nunca esperava o som. Ele acordava antes, sempre à mesma hora, os olhos fixos no teto encardido do quarto, onde as rachaduras pareciam formar mapas de lugares que ele nunca visitaria. Ficava deitado por minutos que pareciam horas, ouvindo o silêncio pesado do apartamento, tentando lembrar de um sonho que não vinha.
Quando finalmente se levantava, seus movimentos eram automáticos, uma coreografia ensaiada e sem alma. A água fria da torneira não o despertava; o café requentado na cafeteira não lhe trazia ânimo. A cada gole, ele olhava para o relógio, sabendo que o dia seria como todos os outros: insípido, previsível, vazio.
Arthur tinha 35 anos e, ao contrário do que imaginara quando mais jovem, sua vida não tinha nenhum brilho especial. Trabalhava como analista em uma empresa que ele mal entendia, onde ninguém sabia seu sobrenome. Ocupava uma mesa no canto do escritório, próximo à impressora que fazia mais barulho do que ele. Seus colegas trocavam piadas, almoçavam juntos, compartilhavam vídeos engraçados, mas Arthur era sempre uma sombra nas conversas – algo que passava despercebido até que fosse necessário.
Às vezes, enquanto o metrô o levava para o trabalho, Arthur tentava preencher o vazio.
Ele observava as pessoas à sua volta, imaginando histórias para elas. O homem de terno com a maleta velha talvez fosse um advogado frustrado; a mulher com o cabelo amarrado apressadamente parecia uma professora exausta. Mas essas histórias não duravam muito. Logo ele se voltava para si mesmo, e o silêncio de sua mente era mais difícil de ignorar.
Arthur já havia experimentado o amor uma vez, ou algo que achava ser amor. Clara. A lembrança dela vinha com frequência, mas nunca de maneira linear. Às vezes, ele se recordava do som da risada dela, que parecia iluminar qualquer lugar. Outras vezes, se lembrava do jeito como ela inclinava a cabeça para ouvi-lo falar, os olhos tão atentos que ele sentia como se fosse a única pessoa no mundo.
Eles trabalharam juntos por pouco mais de dois anos, tempo suficiente para que Arthur construísse um universo inteiro em torno dela – um universo que nunca existiu fora de sua mente. Clara nunca o amou, mas ele ignorava esse detalhe, preferindo acreditar que, em algum lugar profundo, ela sabia que pertenciam um ao outro.
Quando ela começou a namorar outro colega, Arthur se afastou. Não conseguia olhar para ela sem sentir algo que não sabia se era raiva ou tristeza. A última conversa que tiveram foi fria e breve, e, semanas depois, ela saiu da empresa. Foi assim que ele perdeu a única pessoa que fazia sua existência parecer menos solitária.
A vida seguia sem mudanças até aquele dia, uma terça-feira qualquer, quando ele a viu pela primeira vez.
Arthur estava encostado na porta do metrô, tentando evitar o olhar dos outros passageiros, quando ela entrou. Não foi a beleza dela que o chamou atenção de imediato, mas a forma como parecia deslocada ali.
Os cabelos negros caíam como uma cortina sobre os ombros, e suas roupas simples tinham um toque de elegância que não combinava com a pressa desajeitada das pessoas ao redor. Ela segurava um livro de capa gasta, algo que parecia antigo, como se tivesse sido encontrado em um sebo esquecido. Enquanto lia, franzia levemente a testa, concentrada, como se as palavras fossem segredos que apenas ela pudesse desvendar.
Arthur sentiu o peito apertar. Não era só admiração – era uma sensação visceral, algo que ele não conseguia explicar. Ela parecia pertencer a um mundo diferente, um mundo ao qual ele nunca teria acesso. E, no entanto, ali estava ela, a poucos passos de distância.
Nos dias seguintes, ele começou a procurá-la.
Às vezes, ela estava lá, sentada no mesmo banco, com o livro nas mãos. Outras vezes, não aparecia, e Arthur sentia um vazio ainda maior do que antes. Quando ela estava presente, ele não conseguia desviar o olhar, absorvendo cada detalhe: o jeito como os lábios dela se moviam silenciosamente enquanto lia, a forma como seus dedos viravam as páginas com delicadeza.
Arthur nunca tentou falar com ela. A simples ideia o apavorava. Ele tinha medo de destruir a perfeição que ela representava, de descobrir que ela era apenas mais uma pessoa comum, cheia de falhas. Era melhor assim – manter a distância, viver na fantasia.
Mas, no fundo, ele sabia que estava se tornando obcecado. Algo nela, ou talvez algo nele, o fazia sentir coisas que ele achava ter enterrado há muito tempo. Ela era como Clara, mas diferente. Mais misteriosa. Mais intocável.
E essa intocabilidade era, talvez, o que ele mais amava.