O metrô parecia maior naquela noite. Cada som ecoava por mais tempo, cada luz tremeluzia por um instante a mais do que o necessário. Arthur sabia que algo estava errado, mas não tinha forças para se virar. Suas mãos suavam, a respiração estava entrecortada, mas ele entrou no vagão mesmo assim.
Ela estava lá, como sempre, mas desta vez não havia nada de humano nela.
Ela se sentava no mesmo banco do fundo, mas o rosto parecia mais pálido, os olhos mais profundos, duas cavernas escuras que sugavam toda a luz ao redor. Ao seu lado, sombras indistintas se mexiam, figuras que não tinham forma clara, mas que pareciam respirar, como se o ar ao redor delas estivesse vivo.
Arthur parou no meio do vagão, incapaz de avançar ou recuar. Suas pernas estavam presas, como se raízes invisíveis o segurassem no lugar.
“Você veio,” ela disse, e sua voz não era mais suave. Agora era grave, reverberando no ar como um trovão abafado.
“Eu… não sei o que estou fazendo aqui,” ele gaguejou, mas a verdade era que ele sabia. Ele sabia desde o momento em que a viu pela primeira vez no metrô.
Ela riu, um som que era ao mesmo tempo quente e cruel, e as sombras ao redor dela se mexeram, inquietas.
“Você sempre esteve vindo até mim, Arthur. Desde o início. Eu não precisei fazer nada. Você fez isso sozinho.”
Arthur tentou entender o que ela queria dizer, mas sua mente parecia turva, como se estivesse tentando pensar debaixo d’água. Ele tentou lembrar dos momentos em que a viu, do perfume, dos sonhos… e, então, percebeu que tudo estava interligado. Não eram coincidências. Nunca foram.
“Por quê?” ele perguntou, e sua voz mal saiu.
Ela se levantou, e o vagão inteiro pareceu estremecer com o movimento. As sombras recuaram, mas não desapareceram – estavam ali, observando, esperando.
“Por que você?” Ela inclinou a cabeça, os olhos queimando com algo que ele não conseguia nomear. “Porque você é vazio, Arthur. Um recipiente perfeito. Todos os seus medos, todas as suas obsessões, todos os seus desejos não realizados… tudo isso me chamou. Você é uma oferenda que veio até mim por vontade própria.”
Arthur sentiu o ar faltar nos pulmões. Ele tentou desviar o olhar, mas era impossível. Cada palavra dela parecia corroer algo dentro dele, arrancando camadas que ele nem sabia que tinha.
“Eu não… eu não escolhi isso,” ele conseguiu dizer, mas a voz dela cortou o ar como uma lâmina.
“Não importa o que você escolheu. Você foi criado para ser exatamente isso. Um homem que nunca teve controle. Um homem que nunca soube o que queria, exceto pelo desejo de algo que nunca poderia alcançar.”
Ela se aproximou, e, a cada passo, Arthur sentia como se seu corpo estivesse sendo puxado para frente, como se uma força invisível o obrigasse a se curvar diante dela. Quando ela parou a poucos centímetros de distância, ele percebeu que os olhos dela não eram olhos. Eram portas – portais para algo infinito, algo que ele não podia compreender sem ser destruído.
Ela estendeu a mão e tocou o lado do rosto dele, e o toque dela era ao mesmo tempo frio como a morte e quente como um incêndio.
“Você me deu tudo de que eu precisava, Arthur. Agora é hora de você entender o que isso significa.”
Antes que ele pudesse reagir, o mundo ao redor desapareceu. Ele não estava mais no metrô. Estava em algum lugar escuro, vazio, mas cheio de ecos. Ele ouvia vozes, gritos, risos que não eram dele, mas que pareciam familiares.
Ele viu Clara por um instante, mas o rosto dela estava distorcido, uma máscara de angústia e desapontamento. Depois, ele viu outras mulheres, rostos que ele nem sabia que lembrava, todas olhando para ele com a mesma expressão – pena e desprezo.
Então, ele viu a mulher do metrô, mas ela era maior agora, sua forma tomando conta de tudo. Ela não tinha rosto, apenas olhos, e eles o encaravam com fome.
Arthur sentiu seu corpo começar a se desfazer. Ele tentou gritar, mas não tinha mais boca. Tentou correr, mas não tinha mais pernas. Ele estava sendo consumido, lentamente, cada pedaço de quem ele era sendo sugado por algo muito maior do que ele.
Quando tudo terminou, ele abriu os olhos e percebeu que estava de volta ao vagão. Mas algo estava errado. Ele olhou para as mãos, e elas estavam ali, mas não pareciam suas. Ele olhou para o reflexo na janela do metrô e viu… nada.
Ele estava vazio. Literalmente.
A mulher estava sentada novamente no fundo do vagão, com o mesmo sorriso no rosto.
“Agora você entende, Arthur. Você nunca teve uma escolha. Você foi feito para ser consumido. E eu sempre terei fome.”
As portas do vagão se abriram, e ela desapareceu entre as sombras.
Arthur tentou gritar, mas não havia ninguém para ouvir. Ele continuou sentado ali, preso em um corpo que não era mais dele, em um mundo que não mais o reconhecia.
Ele era só mais uma sombra agora.