No Trilho da Obsessão, capítulo 4: O Chamado no Escuro

Arthur sente que a mulher do metrô o está chamando para algo que não entende. Quando finalmente se aproxima, percebe que ela é mais que uma pessoa: é uma força sobrenatural, atraída pela sua fragilidade, pronta para consumi-lo.

Arthur já não sabia exatamente quando ela tinha se tornado o eixo de sua vida. Era como se tudo ao seu redor tivesse gradualmente perdido o sentido, enquanto cada detalhe dela – a forma como segurava o livro, o sutil franzir de sobrancelhas enquanto lia – se tornava a única coisa que importava. Ele não admitiria em voz alta, mas a verdade era clara: ela era a razão pela qual ele continuava saindo de casa, dia após dia.

Por isso, foi quase natural que os sonhos começassem. No início, eram meros fragmentos: o som abafado de vagões em movimento, flashes de seu rosto iluminado por luzes que não pareciam vir de lugar algum. Mas logo os sonhos ficaram mais claros. Ela aparecia em cenários que não faziam sentido – uma plataforma de metrô completamente vazia, um campo de flores brancas que ondulavam ao vento, salões cheios de espelhos que refletiam tudo, exceto ele.

Em uma dessas noites, ela falou pela primeira vez. A voz dela não era o que ele imaginava, mas era perfeita, de uma forma que ele não conseguia explicar.

“Você sabe que não precisa esperar, não é?”

Ele tentou responder, mas, no sonho, sua boca não se movia. Ela apenas o olhava, como se soubesse exatamente o que ele queria dizer. Seus olhos pareciam atravessá-lo, expondo algo que ele não queria ver. E, então, ela sorriu. Não era um sorriso comum; havia algo ali que o fazia sentir ao mesmo tempo euforia e pavor. Quando ele acordou, o quarto parecia impregnado pelo perfume dela – um aroma doce, quase enjoativo, que desapareceu antes que ele pudesse entender se era real.

Os dias seguintes trouxeram mais sonhos, cada um mais vívido que o anterior. Em um deles, ela estendeu a mão para ele, como se esperasse que ele a segurasse. “Venha”, ela sussurrou, os lábios curvando-se em um sorriso que parecia prometer algo mais profundo do que ele podia compreender. Ele acordou suando, a respiração pesada, o corpo exausto como se tivesse passado a noite correndo.

A linha entre o que era real e o que era sonho começou a se desfazer. Ele sentia o perfume dela em lugares onde ela nunca estivera. Chegou a vê-la de relance na janela de um café enquanto passava, mas, quando olhou novamente, não havia ninguém. Mesmo assim, ele não sentia medo. Pelo contrário, sentia-se especial, como se fosse o centro de uma narrativa maior que ele mal começava a entender.

Foi numa noite como outra qualquer que ele a viu novamente fora do metrô. Arthur estava no mercado, percorrendo os corredores distraidamente, quando a encontrou perto da prateleira de vinhos. Ele parou no instante em que a reconheceu. Ela segurava uma garrafa, examinando o rótulo com a mesma atenção que dedicava às páginas de seus livros. Desta vez, ela ergueu os olhos e o viu.

Por um instante, o tempo pareceu parar. Ela não desviou o olhar. Arthur sentiu como se algo quente e elétrico percorresse seu corpo. Seus pés começaram a se mover quase sem que ele percebesse, levando-o em direção a ela. Mas, antes que pudesse chegar perto, ela sorriu – aquele mesmo sorriso que ele via nos sonhos – e virou-se, desaparecendo entre as prateleiras.

Ele permaneceu ali por um tempo que não soube medir. Tentou seguir seus passos, mas ela já havia sumido. Era como se ela nunca tivesse estado ali, como se fosse uma miragem que sua mente conjurara para brincar com ele. Ainda assim, ele sentia o eco de sua presença, uma certeza inquietante de que ela sabia exatamente o que estava fazendo.

Depois disso, tudo mudou.

No metrô, ele começou a perceber detalhes que antes lhe escapavam. Ela não parecia interagir com os outros passageiros. Não olhava para ninguém, não esbarrava em ninguém. Arthur começou a observar as pessoas ao redor dela e percebeu que ninguém parecia notar sua presença. Era como se ela existisse em um plano diferente, compartilhando o espaço, mas não o mesmo mundo.

Uma noite, quando o vagão estava mais vazio do que de costume, ela entrou e sentou-se diretamente à sua frente. Não havia livro em suas mãos desta vez. Ela o encarou, os olhos fixos nos dele, como se estivesse esperando algo. Arthur sentiu o coração disparar, mas não conseguiu desviar o olhar.

Ela inclinou a cabeça levemente, um gesto que parecia um convite. Um convite para cruzar o espaço entre eles.

Arthur se levantou, movido por uma força que não compreendia, mas parou antes de dar o primeiro passo. Algo dentro dele, uma voz pequena e abafada, o alertava para não ir. Não porque fosse perigoso – ele já estava além do medo –, mas porque sabia que, se cruzasse aquele limite, nunca mais seria o mesmo.

Ela sorriu novamente, os olhos cheios de algo que ele não conseguia decifrar. Quando ele hesitou, ela se levantou, caminhando lentamente até a porta. Antes de sair, lançou-lhe um último olhar, carregado de uma promessa silenciosa.

Quando as portas se fecharam, Arthur percebeu que não estava mais no mesmo lugar.