A noite engolia o mundo ao redor de Cateline. As estrelas estavam escondidas por nuvens densas, e a lua desaparecera completamente, mergulhando a estrada em uma escuridão opressiva. Apenas a luz trêmula de sua lamparina a guiava, mas nem mesmo isso parecia suficiente para afastar o medo crescente. Foi então que ela os viu.
Ratos. Um exército de criaturas grotescas surgindo das sombras, seus corpos doentios movendo-se como uma onda viva. Cateline parou, o coração disparado, incapaz de pensar em uma rota de fuga. Mas, para sua surpresa, eles não a atacaram. Passaram por ela, velozes e determinados, como se sua presença fosse irrelevante. Ela não compreendia o que estava acontecendo, mas o medo lhe dava energia. Apertando o passo, ela se afastou o máximo que podia das pequenas criaturas.
Enquanto caminhava, o cheiro de morte e podridão a acompanhava. Era sufocante, impregnando o ar, mas quanto mais se aproximava da clareira que havia avistado, algo mudava. O odor terrível dava lugar a um aroma doce e acolhedor. Cateline inalou profundamente, sentindo um leve alívio em meio ao caos que havia deixado para trás.
A clareira apareceu diante dela como um refúgio inesperado. Flores luminosas brilhavam em tons suaves de azul e violeta, e no centro, uma pequena casa de madeira emitia uma luz quente pela janela. Cateline hesitou por um momento, mas o cansaço e a curiosidade a levaram a bater à porta.
Elara abriu. A mulher que Cateline acreditava estar morta era agora uma figura etérea. Seus olhos azuis brilhavam com uma intensidade quase sobrenatural, e sua postura, firme e tranquila, contrastava com as histórias de terror que haviam se espalhado sobre ela.
“Entre,” disse Elara, sua voz suave e firme. Foi tudo o que disse.
Cateline, ainda atônita, atravessou a soleira. A casa era pequena, mas acolhedora. O ar estava impregnado de um perfume de ervas e flores, e livros antigos ocupavam quase todas as superfícies. Elara indicou uma cadeira próxima à lareira, e Cateline sentou-se, suas mãos tremendo levemente enquanto colocava a lamparina sobre a mesa.
Elara caminhou até uma prateleira, pegou um pequeno bule e preparou um chá em silêncio. Cada movimento era deliberado, quase ritualístico. Quando finalmente entregou a xícara a Cateline, esta não conseguiu mais conter as perguntas que fervilhavam em sua mente.
“Você raptou as crianças?” A voz de Cateline saiu baixa, mas carregada de tensão.
Elara olhou para ela por um instante antes de responder. “Não. Nunca toquei em uma delas. O que aconteceu é obra de um homem de fora, alguém que o prefeito conhece muito bem.” Ela fez uma pausa, deixando as palavras pairarem no ar. “Eu tentei impedi-los, mas não fui rápida o suficiente. Eles fugiram antes que eu pudesse fazer qualquer coisa.”
Cateline franziu a testa, absorvendo aquelas informações. “E agora?” ela perguntou. “O que será de Plockton com a maldição que você lançou?”
Elara se sentou em frente a ela, sua expressão tranquila e sombria ao mesmo tempo. “A maldição não é apenas um castigo, mas um espelho. Plockton receberá de volta o ódio e a crueldade que cultivou por tanto tempo. Ratos, pragas, a terra estéril… Eles colherão exatamente o que plantaram.”
Cateline engoliu em seco. “Mas os ratos não me tocaram,” disse, quase em um sussurro.
Os olhos de Elara brilharam levemente. “Não tocaram porque eles sentem a pureza onde ela existe, ainda que latente. Você e eu compartilhamos ancestrais que sofreram nas mãos da mesma ignorância que assola Plockton. Talvez você ainda não tenha despertado seus dons, mas o sangue que corre em suas veias carrega a mesma força que me guia.”
Cateline arregalou os olhos, confusa, mas antes que pudesse perguntar, Elara continuou: “A fuga daquela noite e minha execução não foram coincidências. Eu sabia que este dia chegaria. E mesmo assim, escolhi ajudar até o último instante, porque às vezes, sacrifícios são o que plantam as sementes de um futuro melhor.”
A sala mergulhou em silêncio, quebrado apenas pela chama crepitando na lareira. Cateline tomou um gole do chá, sentindo-se estranhamente segura, mas as palavras de Elara ecoavam em sua mente, deixando perguntas sem resposta e um peso que ela não sabia como carregar.
Elara indicou um pequeno quarto anexo. “Descanse aqui esta noite,” disse suavemente. “Amanhã, você terá mais clareza para seguir adiante.”
Cateline hesitou, mas a exaustão venceu. Ela deitou-se em uma cama simples, cercada por um leve perfume de lavanda e outras ervas que pareciam tranquilizá-la. Quando fechou os olhos, sua mente vagou para um sono profundo, onde visões começaram a se formar.
No sonho, ela estava em um jardim exuberante, banhado por uma luz prateada que não parecia vir da lua. Mulheres de uma beleza etérea a rodeavam, seus olhos brilhando com compaixão e sabedoria. Uma delas, com cabelos longos e negros como azeviche, estendeu a mão para Cateline. “Você tem o poder de curar e proteger,” disse a mulher, sua voz ecoando como uma canção distante. “Mas antes, deve enfrentar sua dor e seus medos.”
As outras mulheres, que Cateline reconhecia como as bruxas condenadas pela inquisição, murmuravam palavras de encorajamento. “Você é uma de nós,” disseram, quase em uníssono. “A força sempre esteve com você.”
A visão mudou abruptamente. Agora, ela estava diante de um espelho antigo, mas sua imagem era diferente. Seus olhos brilhavam como os de Elara, e em suas mãos estavam ervas e símbolos que não compreendia, mas que pareciam familiares. O espelho se estilhaçou, e Cateline acordou com um sobressalto, ofegante.
O aroma de chá ainda permeava o ar, e a luz suave da manhã começava a entrar pela janela. Ela permaneceu deitada por alguns instantes, tentando compreender o que havia sonhado. Mas uma coisa era clara: algo dentro dela estava mudando.
O silêncio tomou conta do ambiente mais uma vez, quebrado apenas pelo som da chama crepitando na lareira. Cateline tomou um gole do chá, sentindo-se estranhamente segura. Mas as palavras de Elara continuavam ecoando em sua mente, deixando perguntas sem resposta e um peso que ela não sabia como carregar.