A Fúria da Bruxa, capítulo 12: O Fim de Plockton

O vilarejo sucumbe à maldição, tornando-se uma terra desolada e evitada por todos. Cateline retorna à sua terra natal, mas é assombrada pelos pesadelos de Plockton. Dimitri, marcado pelo medo, encontra um novo propósito, enquanto Elara observa, triunfante, o legado de destruição.

A luz que preencheu a biblioteca foi seguida por um silêncio profundo, como se o próprio tempo tivesse parado. Cateline e Dimitri aguardaram, os corações batendo descompassados, mas nada aconteceu. O vazio se instalou, pesado e inescapável. Aos poucos, o ambiente começou a mudar: as paredes da biblioteca racharam, e o chão tremeu como se o próprio prédio estivesse tentando expulsá-los.

“O que fizemos de errado?” perguntou Cateline, a voz trêmula. Suas mãos seguravam as bordas da mesa, como se o mundo estivesse prestes a desmoronar. O ar ao redor parecia cada vez mais opressivo, como se o vilarejo inteiro estivesse respondendo ao fracasso deles.

Dimitri balançou a cabeça lentamente, os olhos vidrados. “Talvez… talvez nunca tivesse como dar certo. Talvez Elara soubesse disso desde o início.”

Antes que pudessem processar a ideia, a risada de Elara preencheu o espaço. Não era uma gargalhada leve ou provocadora como antes, mas uma risada sombria, carregada de triunfo. Sua figura apareceu na porta da biblioteca, envolta em sombras dançantes que pareciam se alimentar da própria luz do ambiente.

“Vocês realmente acharam que poderiam salvar este lugar? Este vilarejo, que arrancou a vida de tantas como eu e minhas antepassadas?” Ela deu um passo à frente, os olhos brilhando como brasas. “Plockton teve o que mereceu. Vocês apenas atrasaram o inevitável.”

Cateline avançou, a raiva e o desespero fervendo dentro dela. “Você nos usou! Nunca houve uma chance de redenção, não é?”

Elara inclinou a cabeça, o sorriso mais frio do que nunca. “Claro que não. Este vilarejo plantou a destruição com suas próprias mãos. Eu só reguei as sementes. Agora, assisto à colheita.”

Do lado de fora, o som de gritos começou a ecoar. Os ratos, em bandos grotescos e doentios, invadiam as ruas, seus olhos vermelhos brilhando como pequenas chamas. O cheiro insuportável de podridão invadiu a biblioteca, enquanto vozes e clamores dos aldeões se misturavam ao alarido animalesco. Plockton estava caindo, consumido pela maldição que eles próprios trouxeram para si. O céu do lado de fora estava negro, coberto por nuvens pulsantes que pareciam sangrar escuridão.

Dimitri fechou os olhos, murmurando uma última prece, mas até isso parecia vazio. Ele olhou para Cateline, tentando encontrar palavras, mas tudo o que saiu foi um suspiro pesado.

“Vocês ainda não entendem,” continuou Elara, sua voz agora suave, quase gentil. “Eu não fiz isso. Eles fizeram. Vocês fizeram. Plockton sempre esteve destinado a ruir. Eu sou apenas… o reflexo.” Ela caminhou até a janela, observando o caos com uma serenidade inquietante.

Cateline sentiu as lágrimas queimarem seus olhos, mas segurou o choro. “Então por que nos deixar tentar? Por que nos dar esperança se tudo estava condenado desde o início?”

Elara virou-se lentamente, os olhos cheios de uma satisfação cruel. “Porque eu queria ver. Queria ver se eram diferentes. Se poderiam ser melhores. E agora, eu sei.” Ela deu um sorriso enigmático, inclinando a cabeça. “Mas não se preocupem. Vocês jogaram bem, admito. Mesmo assim, o tabuleiro sempre foi meu.”

Com um último olhar de desprezo e triunfo, Elara desapareceu, dissolvendo-se em uma nuvem de sombras e riso. A biblioteca começou a desabar, forçando Cateline e Dimitri a saírem correndo para as ruas. Do lado de fora, o vilarejo já não era mais reconhecível: corpos apodreciam onde caíam, as construções queimavam com chamas que pareciam vivas, e os ratos ocupavam cada canto como os verdadeiros senhores de Plockton.

Dimitri tentou alcançar Cateline enquanto corriam para longe, mas a sensação de derrota os separava mais do que a distância física. O som da risada de Elara ecoava por toda parte, como se o próprio vento estivesse impregnado com seu triunfo.

Cateline: Um Novo Começo com Cicatrizes

Cateline retornou ao vilarejo onde crescera, uma aldeia modesta e esquecida pelo tempo. Quando chegou, o silêncio tomou conta de sua casa. Mas então, o som de passos rápidos ecoou pelo corredor, e sua mãe apareceu. As lágrimas escorreram livremente pelo rosto envelhecido da mulher enquanto ela corria para abraçá-la. “Cateline! Minha menina! Pensei que nunca mais a veria!” Sua mãe soluçava, agarrando-a como se temesse que pudesse desaparecer novamente. Seu pai apareceu logo depois, mais reservado, mas com os olhos igualmente marejados. Ele a abraçou em silêncio, um gesto que carregava anos de saudade e alívio.

Cateline tentou sorrir, mas a culpa pesava em seu peito. “Eu voltei,” ela disse baixinho, sentindo o calor da família, mas também o frio da memória que a perseguia. “Eu voltei, mas… não posso esquecer o que aconteceu.”

À noite, a tranquilidade do vilarejo era quebrada pelos pesadelos que vinham sem aviso. Em seus sonhos, ela estava de volta a Plockton. Os ratos corriam ao seu redor, seus olhos brilhando como brasas vivas. A risada de Elara ecoava, misturada aos gritos dos aldeões. Ela via os rostos de todos que morreram, contorcidos em agonia, mas seus olhos sempre encontravam os de Dimitri, que a olhava com uma mistura de tristeza e acusação. No sonho, ela corria, mas nunca conseguia escapar da destruição.

Mesmo entre os campos floridos e o acolhimento caloroso de sua família, a sombra de Plockton pairava sobre ela. Cateline decidiu dedicar sua vida a ajudar mulheres que, como ela, foram vítimas de sistemas opressivos e cruéis. Criou um espaço de refúgio e aprendizado, onde histórias eram compartilhadas e vidas reconstruídas. Ainda assim, a memória de Plockton sempre permaneceu, uma cicatriz invisível que a acompanharia para sempre, lembrando-a do peso de escolhas e da força necessária para seguir em frente.

Dimitri: De Clérigo a Curador

Dimitri deixou o clero. A Bíblia que ele uma vez segurou com tanto fervor ficou para trás, abandonada junto com o título de padre. Ele vagou por semanas, carregando o peso de Plockton em cada passo. Chegou a outro vilarejo, tão pequeno e esquecido quanto Plockton, mas sem a mesma escuridão que consumira seu antigo lar.

Nos primeiros dias, Dimitri mal conseguia falar com os moradores. O medo de falhar novamente, de ser impotente, o mantinha afastado. Mas um dia, uma mulher trouxe seu filho doente até ele, acreditando que ele ainda fosse um padre. Com hesitação, ele usou o pouco que sabia sobre ervas, recordando as práticas que viu em Elara. Para sua surpresa, o menino melhorou. Foi o início de algo que ele nunca havia feito antes: ajudar de forma prática, não apenas com palavras.

O medo de Plockton ainda o perseguia. À noite, ele acordava sobressaltado, ouvindo o eco dos gritos e sentindo o cheiro da podridão. Os ratos e a risada de Elara invadiam seus sonhos, mas cada dia trabalhando como curador parecia arrancar um pouco do peso que o esmagava.

Conforme os meses passaram, Dimitri começou a falar novamente. Não como padre, mas como um homem que conhecia a dor do fracasso e o fardo do arrependimento. Ele criou um espaço de acolhimento no vilarejo, onde aqueles que sofriam, física ou emocionalmente, podiam encontrar consolo. Não eram sermões; eram conversas honestas, nas quais ele compartilhava seus próprios erros e o que aprendera sobre enfrentar medos.

Eventualmente, Dimitri voltou a pregar, mas não do púlpito. Ele falava sob as árvores, ao lado de campos de cultivo ou enquanto preparava remédios. Não usava vestes clericais nem prometia redenção divina, mas oferecia algo mais humano: empatia. “A salvação não está nos céus,” ele dizia, “mas no que fazemos aqui, agora, uns pelos outros.”

Plockton nunca o deixou completamente. Havia dias em que o som dos ratos ou a risada de Elara ecoavam em sua mente. Mas, ao invés de fugir, ele aprendeu a conviver com essas sombras, usando-as para lembrar-se de que o medo é uma prisão apenas se você permitir que seja. Dimitri não era mais um padre no papel, mas em suas ações, ele encontrou uma nova fé, construída com suas mãos e nutrida pelo desejo de nunca mais repetir os erros do passado.