O som seco do martelo bateu no chão mais uma vez, e o mundo ao redor dele estremeceu. Ele estava no centro do palco, os pés presos como se o chão o tivesse engolido até os tornozelos. Ao seu redor, a plateia continuava a observá-lo — rostos que ele reconhecia, mas que pareciam feitos de sombras e fumaça.
Ela estava à frente dele, o martelo na mão. A luz pálida do palco a iluminava como uma pintura gótica.
— “Você nunca prestou atenção nas palavras, não é?” — A voz dela não tinha raiva. Era quase carinhosa, o tom de uma professora falando com um aluno teimoso. — “Para você, eram só rabiscos. Papel. Mas eu era feita delas.”
Ele tentou ignorá-la. Tentou manter a respiração firme.
— “Eu já cansei desse jogo. Eu só quero ir embora.”
— “Ir embora?” — Ela sorriu. — “Você não percebe? Você está preso aqui porque você nunca quis ouvir. Você nunca viu.”
A sala deles reapareceu ao fundo. Ele viu ela sentada no chão, escrevendo no diário, como antes. O fogo rugia na lareira, iluminando as páginas do que restava do caderno. Mas agora, do ponto onde ele estava, ele conseguia ouvir.
Ela escrevia em voz baixa, as palavras fluindo como um sussurro:
— “Se um dia eu desaparecer, não será porque escolhi partir. Será porque ele nunca olhou para mim de verdade. Eu sou feita de palavras, e ele as queimou.”
Ele sentiu o coração apertar, uma sensação que não reconhecia — culpa, talvez. Ou algo mais profundo. A cena queimava em seus olhos, tão real que ele quase pôde sentir o calor das chamas.
— “Pare com isso,” — ele sussurrou. — “Isso já passou. Não faz sentido ficar revivendo.”
Ela o observou, inclinando a cabeça lentamente, como se estudasse uma criatura frágil.
— “Você acha que isso é passado? Para mim, foi o fim de tudo. E agora é a sua vez.”
Foi então que ele viu: a porta. Pequena, velha, com uma luz suave escapando pelas frestas. Ela surgiu no canto do palco, entre as sombras.
— “O que é isso?” — Ele perguntou, a voz trêmula.
Ela seguiu seu olhar e sorriu, um sorriso pequeno e perverso.
— “Uma escolha. Não é isso que você sempre quis? Uma saída? Uma solução simples?”
Ele olhou para ela, desconfiado.
— “Isso é algum truque.”
— “Talvez seja. Mas você pode tentar. Afinal, você sempre acreditou que podia consertar tudo, não é?”
A plateia murmurou, um som baixo e dissonante que crescia como uma tempestade. O olhar dela não vacilou, mas ele podia ver algo diferente agora — algo que o incomodava. Não havia raiva, apenas certeza.
— “Você precisa deixar algo para trás,” — ela disse, sua voz baixa, quase gentil. — “Não se sai do palco carregando as cinzas.”
Ele encarou a porta, o coração batendo forte. Uma saída. Era real? Não importava. Ele precisava tentar.
Lentamente, ele começou a caminhar em direção à porta. Cada passo parecia mais pesado que o anterior, como se correntes invisíveis estivessem presas aos seus tornozelos. O palco sob seus pés rangeu, protestando contra o movimento.
— “Você nunca viu nada além de si mesmo.” — A voz dela ecoou, suave, mas cortante. — “Não viu a luz nas palavras que queimou. Não viu a pessoa diante de você. E agora, olha o que restou.”
Ele ignorou. A porta estava tão próxima agora. Ele podia ver a madeira velha e sentir o cheiro de ar fresco do outro lado. Ele podia escapar.
Ele estendeu a mão para a maçaneta.
— “Você tem que deixar o que trouxe com você,” — ela repetiu, a voz ecoando mais perto agora.
Ele parou. Algo frio subiu por sua espinha. Ao olhar para baixo, viu as mãos cobertas de fuligem. Cinzas escorriam pelos dedos, caindo como areia. Ele olhou para trás. O fogo ainda rugia, consumindo a sala, consumindo tudo o que ele havia destruído.
— “O que é isso?”
— “Suas cinzas. As minhas cinzas. O que sobrou de nós.”
Ele puxou a maçaneta, forçando-a, mas a porta não cedeu.
— “Abra! Eu preciso sair!”
— “Você não pode sair carregando o que fez.”
Ele olhou para ela, ofegante, a raiva crescendo.
— “Por que está fazendo isso comigo?! Eu não queimei você! Era só papel!”
— “Era tudo o que eu tinha.”
A voz dela era um sussurro, mas o som atravessou o palco como um trovão. O martelo em sua mão bateu uma última vez, e a porta explodiu em chamas.
Ele gritou, recuando, as cinzas agora cobrindo seus olhos, sua boca, tudo.
— “Não! Não pode acabar assim!”
Ela o observou em silêncio, o fogo refletindo em seus olhos vazios.
— “As histórias sempre têm um final. E agora você vai viver o seu.”
O chão sob seus pés se abriu, e ele foi engolido pelo vazio.