Na imensidão brilhante e fria dos escritórios da Lancellotti Futures, o impacto das primeiras sabotagens começou com uma ação aparentemente isolada: a destruição de um lote de equipamentos destinados aos experimentos mais sensíveis. A equipe de logística inicialmente tratou como um incidente comum, mas conforme os dias avançaram, o padrão ficou impossível de ignorar. Equipamentos começaram a desaparecer em trânsito, relatórios confidenciais foram encontrados em locais públicos, e uma sequência de atrasos inexplicáveis paralisou setores críticos.
As operações, antes impecavelmente cronometradas, tornaram-se um caos. A equipe de segurança, liderada pelo coordenador Rômulo Salgado, um homem de estatura média, pele clara e cabelos levemente grisalhos que sempre estavam cuidadosamente penteados, fez varreduras intensas nos sistemas e instalações, mas sempre chegava tarde demais. Rômulo era metódico e orgulhoso de seu trabalho, um veterano em segurança corporativa com mais de duas décadas de experiência. No entanto, as sabotagens o deixavam inquieto, expondo uma falha que ele considerava intolerável.
Embora fosse leal à Lancellotti Futures, Rômulo tinha sentimentos ambivalentes sobre os experimentos conduzidos no subsolo. Ele nunca questionara abertamente as práticas da empresa, mas evitava descer ao nível dos laboratórios, onde os sussurros sobre “voluntários” e testes extremos alimentavam uma sombra que ele preferia ignorar.
Trecho do diário de Rômulo: “Passei anos me convencendo de que meu trabalho era proteger uma máquina eficiente, uma força do progresso. Mas há algo nos olhares vazios dos ‘voluntários’ que não consigo esquecer. Esses corredores não são apenas frios; eles gritam horrores que preferimos não ouvir.” As sabotagens, porém, o colocaram em um dilema moral; por um lado, eram uma afronta direta ao império que ele ajudava a proteger, mas, por outro, pareciam trazer à tona verdades que ele temia encarar.
Cada tentativa de conter o problema revelava outra falha que já havia sido explorada, e a pressão começou a crescer. Em uma dessas reuniões de crise, enquanto analisava relatórios de danos e atrasos, Rômulo decidiu que não havia outra opção senão informar Victor diretamente. Sentia o peso do que estava por vir, mas sabia que o bilionário exigiria respostas claras e ações imediatas.
O momento de dar as notícias foi calculado. Rômulo entrou no escritório de Victor, uma sala que exalava luxo e perfeição. A mesa impecável de vidro refletia a luz suave de um abajur caro, e Victor estava sentado com sua habitual postura imponente, o olhar fixo em uma tela dupla de monitores. Rômulo hesitou por um instante antes de falar, mas Victor ergueu os olhos de maneira fria, quebrando o silêncio.
— Espero que tenha algo substancial para me dizer, Rômulo — disse Victor, com uma voz tão cortante quanto gelo.
Ao ouvir sobre a extensão das sabotagens, Victor permaneceu imóvel, o que fez Rômulo se sentir ainda mais desconfortável. Apenas o leve arquear de uma sobrancelha indicou que ele estava processando as informações.
— Percebo que sua equipe ainda não conseguiu conter esses ataques — Victor disse finalmente, sua voz controlada, mas carregada de desprezo. — Descubra quem está por trás disso, ou me diga o que é preciso para que eu encontre alguém que consiga.
Rômulo, sentindo o peso do desprezo no olhar de Victor, assentiu em silêncio e saiu do escritório. Ele sabia que não havia espaço para falhas, mas também reconhecia que o problema ia além do alcance de sua equipe.
Victor Lancellotti, o bilionário cuja fortuna e reputação haviam sido construídas em sua capacidade de prever o imprevisível, sentiu pela primeira vez algo que ele raramente experimentava: frustração profunda, quase visceral. Ele já estava emocionalmente desgastado pelos anos de pressão incessante e pelo peso dos segredos que carregava. As sabotagens atingiram não apenas seus negócios, mas também sua psique, já fraturada por noites sem sono e a sombra constante de desconfiança.
Sentado em seu escritório luxuoso, Victor tamborilava os dedos na mesa de vidro, um gesto mecânico que traía o caos em sua mente. Ele se esforçava para manter o controle, mas pensamentos fragmentados o perseguiam: “E se fosse alguém de dentro? E se estivesse começando a perder o controle de tudo?” A ideia de falha era insuportável para um homem que construiu sua vida sobre a promessa de domínio absoluto.
Trecho de um memorando interno de Victor: “Incompetência não é uma opção. Quero relatórios detalhados de cada setor afetado. Não me interessa como, mas solucionem isso. Não tolerarei mais desculpas.”
Os efeitos das sabotagens eram sentidos em todos os níveis da empresa. No subsolo, onde os experimentos continuavam, os cientistas se tornaram mais paranoicos, olhando por cima dos ombros enquanto trabalhavam. As câmeras de segurança foram duplicadas, e os procedimentos de acesso, revistos. Ainda assim, a sensação de vulnerabilidade era inescapável.
As perdas financeiras começaram a ser contabilizadas. Contratos importantes foram atrasados, e parceiros comerciais começaram a questionar a capacidade da empresa de cumprir prazos. Para Victor, não era apenas o impacto financeiro que o enfurecia, mas a ideia de que alguém ousasse desafiar seu império.
Trecho do diário de Victor: “Eles pensam que podem me derrotar com truques infantis. Não sabem o que é o verdadeiro poder. Isso não é uma luta — é um jogo de xadrez, e eu sou o mestre.”