O Preço da Eternidade, Capítulo 12: O Ponto de Vista de Victor

Victor enfrenta sua paranoia crescente e o peso dos efeitos colaterais dos experimentos que realizou em si mesmo. Enquanto luta para manter o controle, sua obsessão pela imortalidade o cega para os custos humanos e morais de sua busca.

I – A Visão de Victor

Rômulo deixou o escritório de Victor sem olhar para trás, sua postura rígida refletindo o peso da conversa. A porta se fechou suavemente, deixando Victor sozinho, cercado pelo silêncio opressor de sua cobertura. Ele encarava a paisagem urbana de seu escritório, uma vista que normalmente lhe trazia orgulho e controle, mas que agora parecia uma metáfora para o caos que se instaurava em sua vida. As luzes piscando dos arranha-céus refletiam em seus olhos âmbar, agora marcados por um leve tremor, um sinal do custo que ele vinha pagando pelos experimentos em si mesmo.

Por trás da aparência impecável, Victor sentia seu corpo reagir de formas que ele nunca imaginara. Pequenos espasmos musculares surgiam sem aviso, como se seu próprio organismo começasse a rejeitar as inovações que ele tanto exaltava. Às vezes, ele era acometido por dores de cabeça intensas, acompanhadas por visões distorcidas que deixavam as luzes da cidade parecendo vultos inquietos.

Victor respirou fundo, tentando abafar a ansiedade crescente. Não podia permitir que esses efeitos transparecessem para ninguém. Ele precisava permanecer uma fortaleza, inabalável. Ainda assim, enquanto encarava a cidade abaixo, sentia algo mais profundo: a crescente paranoia de que tudo estava escapando de seu controle. “Se é o preço pela grandeza,” ele murmurou para si mesmo, “então estou disposto a pagar.”

Trecho do diário de Victor: “Construí um império com base na ordem. Não há espaço para descontrole, para incertezas. O fracasso não é uma opção, mas sinto como se os alicerces estivessem ruindo sob meus pés.”

Victor sempre se via como o arquiteto de seu destino, um estrategista que via o mundo como um tabuleiro de xadrez, onde ele era o jogador e todos os outros, peças. Cada movimento era calculado, cada resultado previsto. Mas agora, algo havia mudado. As sabotagens, embora pequenas, haviam instigado um pensamento desconfortável que ele não conseguia afastar: e se ele não tivesse controle absoluto? E se houvesse algo mais profundo escapando à sua percepção?

Ele tentou racionalizar a situação, buscando conforto no legado de sua genialidade. A Lancellotti Futures era uma máquina bem lubrificada, construída sobre sua capacidade incomparável de prever ameaças e ajustar rotas antes mesmo que os obstáculos surgissem. Para Victor, se algo estava errado, só podia ser por culpa de incompetentes — seja de fora, seja, mais gravemente, de dentro. A ideia de que suas decisões ou visão pudessem ser falhas não era apenas absurda para ele; era impossível.

Victor rememorava cada etapa de sua ascensão, revisitando mentalmente os momentos em que suas estratégias haviam moldado resultados impecáveis. Mas, enquanto sua mente se agarrava a esses triunfos, outra parte, menor e mais insidiosa, começava a sussurrar: “E se você não estiver mais à altura do jogo que criou?” Era um pensamento que Victor rapidamente sufocava, recusando-se a dar espaço a qualquer sombra de dúvida.

II – A Introspecção e a Negação

Sentado em sua poltrona de couro, Victor abriu o aplicativo de monitoramento interno que ele mesmo insistira em implementar. As telas exibiam números, gráficos e relatórios em tempo real, uma avalanche de dados que deveria tranquilizá-lo, mas só ampliava sua sensação de vulnerabilidade. Ele passou os olhos pelos relatórios de segurança, procurando um padrão, uma pista que revelasse os responsáveis.

Ele se lembrou de um momento específico de sua infância, algo que raramente permitia a si mesmo reviver. Quando criança, Victor enfrentara bullying por sua obsessão com controle e perfeição. Naquele tempo, jurou que nunca seria pego de surpresa novamente. “Eu dominei o imprevisível,” ele murmurou, como um mantra que o reconfortava.

Mas, no fundo, ele sabia que os experimentos haviam tomado um custo alto demais, até mesmo para ele. A pressão de esconder os danos colaterais, de manter investidores satisfeitos e de avançar nos testes começava a corroer sua confiança. Ainda assim, admitir isso estava fora de questão.

Trecho do diário de Victor: “A fraqueza é para os outros. Eu sou o pilar. Mesmo que todos vacilem, eu permaneço. Se eles não podem ver isso, então eu devo mostrar.”

Victor sabia que precisava de uma solução, mas não qualquer solução. Ele queria uma demonstração de força, algo que não apenas interrompesse as sabotagens, mas que também reafirmasse sua posição como intocável. Com o tremor em suas mãos se intensificando, ele apertou os punhos com força, como se pudesse conter o próprio corpo rebelde.

Chamou novamente Rômulo para uma conversa mais direta, determinado a extrair informações e exigir resultados imediatos. Quando Rômulo entrou, hesitante, Victor cortou qualquer formalidade.

— Relatórios detalhados não bastam, Rômulo. Quero nomes, locais, e acima de tudo, quero ação. Se você precisar dobrar os recursos de segurança, faça. Eu não tolerarei mais nenhum erro.

Rômulo assentiu, mas Victor notou a tensão no homem. Ele não sabia se era medo ou frustração, mas não tinha tempo para examinar os sentimentos de seus subordinados.

Após a saída de Rômulo, Victor voltou a encarar os gráficos projetados pelo Aegis. Ele passou os dedos pelos mapas holográficos, identificando pontos críticos nas operações. “Se eu não conseguir resposta, eu mesmo a encontrarei,” pensou, enquanto anotava planos de ações paralelas para confrontar as sabotagens.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma nova pontada em sua cabeça, que desta vez veio acompanhada de um leve escurecimento em sua visão. Ele pressionou os olhos com os dedos, tentando afastar o desconforto, mas sabia que isso era apenas mais um sintoma do que havia se tornado um preço alto demais a pagar.

Trecho do diário de Victor: “Não sou meu inimigo. Meu corpo não me controla; eu o controlo. Fraqueza é um luxo que não posso e não vou permitir. Eles não verão o que se passa. Eles só verão força.”

Ele se levantou da poltrona e caminhou até a parede de vidro de seu escritório, o olhar fixo nos arranha-céus iluminados. Cada luz representava uma peça no tabuleiro que ele controlava, mas agora, algumas peças estavam fora de lugar. “Eles pensam que podem me desafiar,” ele sussurrou, com os olhos estreitando-se em fúria. “Eu vou mostrar o que acontece quando alguém ousa confrontar um titã.”

Trecho do diário de Victor: “Minha mente é uma fortaleza, mas sinto os muros tremendo. Não é apenas o mundo externo que me desafia, mas meu próprio corpo. Eu me recuso a ser derrotado por isso. Não há nada que a força de vontade e o poder absoluto não possam corrigir.”

Victor chamou por seu assistente de inteligência artificial, um sistema de monitoramento personalizado que ele nomeara Aegis. “Inicie uma análise completa das anomalias nas operações,” ordenou, sua voz ecoando fria na sala silenciosa. Aegis começou a projetar gráficos e mapas no vidro diante dele, cada ponto de dados representando uma vulnerabilidade que ele pretendia eliminar.

Enquanto absorvia as informações, Victor sentiu uma pontada de dor atravessando sua cabeça. Ele fechou os olhos por um momento, respirando fundo para dissipar o incômodo. Quando os abriu novamente, as luzes da cidade pareciam mais brilhantes, quase ofuscantes, uma lembrança incômoda dos efeitos colaterais dos experimentos em seu corpo. Mas, para ele, isso era irrelevante. “Se meu corpo quer ser meu inimigo, que seja. Eu o superarei assim como supero qualquer adversidade.”

Seu próximo movimento não seria apenas estratégico; seria uma declaração ao mundo e a si mesmo de que Victor Lancellotti ainda era o arquiteto de seu destino.